Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Penas e audição fizeram das corujas supremas caçadoras da noite

Aves desenvolveram diversos silenciadores de voo nas asas e 'parabólica' facial

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Não é preciso ser supersticioso para sentir que há algo de fantasmagórico no contato com uma coruja. Os poucos encontros que tive com elas até hoje foram, quase sempre, decididamente espectrais –um vulto que aparece e some com igual velocidade na visão periférica da gente; um rasante quase magicamente silencioso para agarrar um ratinho-do-campo no chão, seguido de uma decolagem noite adentro.

Porém, como dizia aquela propaganda brega do começo deste século, nada disso é feitiçaria: é pura biologia evolutiva. As últimas décadas de pesquisa revelaram boa parte dos segredos que transformaram as corujas em caçadoras noturnas tão elegantes e implacáveis (sublinhe mentalmente o "maioria" da última frase: nem todas elas são tão notívagas quanto costumamos imaginar). Esta coluna detalha algumas dessas capacidades.

Coruja suindara é amarela e branca e está pousando na luva de um falcoeiro durante treinamento
Suindara, coruja com discos faciais que a ajudam a canalizar sons fracos para seus ouvidos, em treino de falcoaria - Bruno Miranda/Folhapress

Em primeiro lugar, considere que o voo quase inaudível dos bichos é uma façanha biomecânica produzida por múltiplos sistemas interligados. Parte do segredo está no tamanho relativamente grande das asas delas em relação ao corpo, o que lhes permite voar devagar e com garbo. Mas há mais.

Toda a superfície das asas das corujas costuma estar coberta com uma camada aveludada de penas que atua como "silenciador". Além disso, a extremidade frontal das asas é equipada com cerdas fininhas, semelhantes a fios de cabelo, que "quebram" a turbulência do ar (ou seja, a formação de pequenos redemoinhos durante o voo), que é outra fonte de barulho. Por fim, as pontas das penas são moles e elásticas, o que diminui ruídos em comparação com asas de pontas mais rígidas, e a fricção entre as penas também é muito baixa. O resultado? Mal se nota o voo delas.

Tamanha discrição é um elemento essencial para o sucesso na caça. Mas outra peça-chave desse quebra-cabeças é conseguir discernir os sons produzidos pelas presas no escuro.

Em muitas espécies do grupo das corujas, como os diversos tipos de suindaras ou corujas-das-torres, essa façanha é realizada com a ajuda dos discos faciais –as regiões "afundadas" em torno dos olhos dos bichos, que dão a elas um ar curiosamente humano, como o de alguém que está usando uma máscara decorada ou grandes óculos redondos.

Os discos faciais são, na verdade, "antenas parabólicas" que ajudam o animal a coletar som do ambiente com mais eficiência. Eles são delineados por um anel de penas mais duras e entrelaçadas entre si, que canalizam barulhos na direção dos ouvidos das corujas, tal e qual uma pessoa que abre a mão em concha em volta da própria orelha.

Existem até oito tipos diferentes de penas nesses discos, todas "projetadas" pela seleção natural para facilitar a canalização e condução do som de diferentes maneiras. E algumas corujas conseguem até modificar ativamente a estrutura do disco, transitando entre "modo de repouso" e "modo de ataque". Com isso, certas espécies conseguem escutar até os passos de pequenos roedores cavando debaixo de uma camada espessa de neve.

Diante de tudo isso, é inevitável aguardar com ainda mais ansiedade futuros encontros noturnos com elas. E sorrir ainda mais quando vejo corujas-buraqueiras empoleiradas num mourão de chácara.

PS – As informações acima e uma infinidade de outros dados fascinantes estão em "What an Owl Knows" ("O Que uma Coruja Sabe"), belo livro da divulgadora científica americana Jennifer Ackerman. Com o perdão do trocadilho irresistível, não conheço pena mais afiada que a dela quando a intenção é revelar a complexidade das aves do planeta.

Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes

Repórter de ciência e colunista da Folha. Autor de "Homo Ferox" e "Darwin sem Frescura", entre outros livros

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