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Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

No ano 2020

Falharam ligeiramente as profecias da ficção científica

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É difícil acreditar que estamos a poucos dias do ano 2020. Difícil para mim. Para as minhas filhas é normalíssimo. A diferença é que, para mim, 2020 é o futuro. Para elas, é o presente. Eu, com a idade delas, esperava que em 2020 a gente tivesse construído naves espaciais e já conseguisse viver noutros planetas. Elas esperam que a gente ainda consiga continuar a viver neste.

Falharam ligeiramente as profecias da ficção científica. Em vez de termos todos modernas naves à disposição, dizem-nos que o meio de transporte mais sensato e menos poluente talvez seja o burro. Afinal, chegamos ao futuro e Luke Skywalker não está a bordo da sua nave a combater o Império Galáctico, está empoleirado num jumento a combater o CO2.

Como tenho muito tempo livre, fiz o exercício de investigar o lugar para onde a humanidade tem dirigido o seu olhar, ao longo da história recente.

No princípio do século passado, começamos a olhar para a grande tela do cinema. Depois, a meio do século, passamos a olhar para a tela da televisão. E agora, no início deste século, olhamos para a tela do celular.

Temos vindo a olhar para telas cada vez menores, e na companhia de cada vez menos gente: víamos cinema em salas cheias, víamos televisão só com a família ou os amigos e agora olhamos para o celular sozinhos.

Além disso, vemos cada vez mais coisas e cada vez melhor, em telas cada vez menores. Os espectadores do início do século 20 não tinham muito mais para ver do que o filme da saída dos operários da fábrica Lumière. Agora, cada operário da fábrica Lumière (se ela ainda existir) tem no bolso um aparelho que lhe permite ver milhões de filmes, incluindo o da saída dos operários da fábrica Lumière.

O que é que este padrão indica? O que deseja uma espécie cuja ambição, aparentemente, é ver cada vez mais coisas, com cada vez maior nitidez, numa tela cada vez menor?

Talvez o problema seja o seguinte: quanto melhor vemos quem somos, menos aguentamos vê-lo numa tela grande. E preferimos não ter companhia, provavelmente porque o espectáculo é obsceno.

Ou a gente melhora depressa ou, em breve, não há tela. Nem espectadores. Só uma imagem muito nítida de um mundo sem gente.

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