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Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Tenho dúvidas da relação entre as palavras de gênero neutro e a igualdade

'Querides' e 'alunes' talvez cumpram parte das novas aspirações linguísticas

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Em “Não Perca o Seu Latim”, Paulo Rónai conta a história do imperador Sigismundo, que no Concílio de Constança se enganou no gênero de uma palavra e ordenou que, dali em diante, a palavra passasse a ter aquele novo gênero.

Um monge considerou a ideia absurda e contestou, celebremente: “Caesar non supra grammaticos”, que significa “o imperador não está acima dos gramáticos”, ou seja, não manda na gramática.

Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Pereira de Araújo de 22 de novembro de 2020 - Luiza Pannunzio/Folhapress

Em princípio, o monge tem razão: ninguém manda na gramática, nem mesmo um imperador. No entanto, o Liceu Franco-Brasileiro, do Rio de Janeiro, resolveu tentar, e se dirigiu aos estudantes com a saudação “querides alunes”, por “respeito à diversidade e à inclusão”.

Eu sou daquelas pessoas que acreditam ser possível respeitar a diversidade e a inclusão em português. Ao que parece, é uma crença absurda e reacionária: a língua portuguesa só deixa de discriminar se as palavras acabarem em “e”. Com exceção da palavra presidente, que já acaba em “e”, mas só deixa de oprimir se passar a ser presidenta. Que azar.

A transformação do nosso idioma numa língua neutra coloca vários problemas, e o menor deles talvez seja o ridículo. Mesmo forçando à neutralidade adjetivos e substantivos, como “querides” e “alunes”, ainda assim sobra a questão dos artigos, dos particípios passados, dos numerais etc.

A frase, aliás bem bonita, “Es arquitetes foram agredides por bandides e tiveram de ser operades por médiques”, talvez cumpra parte destas novas aspirações linguísticas, mas na eventualidade de “es bandides” serem um par, e de querermos designá-los através da antiga e profundamente discriminatória formulação “dois bandidos”, teríamos de inventar também um numeral neutro, para acrescentar ao masculino “dois” e ao feminino “duas”. Deis, talvez? Eram deis bandides. Satisfeites?

A verdade é que tenho muitas dúvidas de que haja uma relação direta entre o gênero neutro das palavras e a igualdade. Parece-me que as desigualdades têm causas mais profundas. Por exemplo, na língua persa, falada no Irã, Afeganistão e Tajiquistão, todas as palavras são de gênero neutro. Se calhar, conheço mal as sociedades iraniana, afegã e tadjique, mas assim de longe não me parecem muito igualitárias, diversas e inclusivas.

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