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Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Temos pela frente a desmimimificação do ambiente político

Acho que o debate ideológico, antigamente, era um pouco mais sofisticado do que a repetição de um barulho

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O argumento político mais vezes brandido hoje é, sem dúvida nenhuma, este: mimimi. Não quero parecer reacionário, mas acho que o debate ideológico, antigamente, era um pouco mais sofisticado do que a repetição de um barulho.

Edmund Burke e Thomas Paine foram capazes de discutir a organização da sociedade sem recorrer uma única vez à expressão mimimi, o que é notável. Marx também conseguiu rebater a posição de Locke sobre o trabalho e os direitos de propriedade evitando a articulação dos três mis.

E vários filósofos depois voltaram a cometer a proeza de contestar as ideias de Marx de uma forma totalmente desmimimificada. E foi sempre assim, até ao dealbar da era do mimimi.

Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Araújo Pereira - Luiza Pannunzio

Talvez esse seja o principal trabalho que temos pela frente: a desmimimificação do ambiente político. Uma pesquisa no Google por "mimimi de Lula" e "mimimi de Bolsonaro" devolve mais de 5.000 resultados.

Penso não estar longe da verdade se disser que esse é um dos mais claros sinais da infantilização do espaço público.

Do mesmo modo que as crianças, discutindo, tapam os ouvidos para não ouvir o interlocutor e gritam lalalá, os adultos, debatendo, reduzem os argumentos do adversário a mimimi. Receio que não esteja longe o momento em que a discussão ideológica se fará por meio do arremesso de fezes, como fazem os símios. Parece-me que será a estratégia que, logicamente, se seguirá à fase do mimimi.

Escuso de lembrar que algumas intervenções políticas dos últimos dias consistiram no arremesso de sopa de tomate a um quadro de Van Gogh e de purê de batata a uma pintura de Monet.

Ao que tudo indica, os ativistas suspeitam que há uma combinação especial de um certo produto alimentar com a obra de determinado pintor que produzirá o fim da exploração de combustíveis fósseis.

Já se percebeu que não é sopa e Van Gogh nem batata e Monet. Mas estou certo de que, mais cedo ou mais tarde, eles vão descobrir a mistura que fará o presidente da BP cair em si e fechar os poços. Eu aposto em feijoada e Caravaggio.

É possível que o leitor discorde do que aqui expus e contraponha que o que fiz foi sobretudo igualar os debates de antigamente entre acadêmicos e outros pensadores com a discussão que hoje decorre, entre anônimos, nas redes sociais —dois planos incomparáveis. Mas creio que o leitor sabe bem que essa sua observação crítica para mim é mimimi.

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