Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Aquilo que eu invejo nos ingleses é esta capacidade de descartar líderes

Uma coisa é depositar o poder nas mãos de um candidato durante quatro anos, outra coisa é fazê-lo durante um mês

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O mundo inteiro lamenta a sorte dos ingleses, que ficaram sem chefe de governo pela segunda vez em menos de dois meses. Serei eu o único que os inveja?

Não me refiro ao fato de estarem praticamente sem governo. Bem sei que, em 2011, a Bélgica esteve mesmo mais de um ano sem governo e, nesse período, a sua economia teve melhor desempenho que o Reino Unido, a Alemanha, a França, a Itália, a Espanha, os Países Baixos, a Finlândia e a Suíça.

Isso teve graça, mas continuo convencido de que é importante ter um governo. Nem que seja para o povo ter alguém a quem xingar. Não havendo governo, quem é que a gente culpa pelas desgraças? É chato.

No desenho de Luiza Pannunzio, há uma figura que podemos considerar Liz Truss caminhando elegantemente à direita para sair de cena, dando um tchauzinho com a mão. Ela veste um vestido tubinho clássico com comprimento na altura dos joelhos e mangas longas, meias finas escuras e sapatos pretos. Acima da figura está a escrita a frase: "A sorte dos ingleses."
Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Araújo Pereira - Luiza Pannunzio

Não, aquilo que eu invejo nos ingleses é esta capacidade de descartar líderes. Se o chefe de governo é mau, depois de umas semanas no cargo vai embora e aparece outro. É um acidente, mas creio que se deveria transformar na regra. A Inglaterra pode ter descoberto uma nova e mais perfeita modalidade de democracia.

Sabemos que os nossos regimes políticos estão sob ataque, e receamos que possam ser substituídos por tiranias mais ou menos autoritárias. Mas a democracia inglesa, com a sua intensa rotatividade de lideranças, parece mais robusta.

Imagine que se aproxima uma eleição e nenhum dos candidatos o satisfaz totalmente. Sei que estou a pedir um esforço de imaginação bastante grande ao eleitor brasileiro, que raramente se confronta com esta circunstância. Mas tente imaginar. Se tiver a certeza de que o candidato eleito não dura no cargo mais do que um mês, uma pessoa até vota com outra disposição.

Uma coisa é depositar o poder nas mãos de um candidato durante quatro anos; outra coisa é fazê-lo durante quatro semanas. Não é grave, ninguém passa noites em claro a pensar se a sua orientação de voto será a mais correta.

E ninguém receia a eleição de um candidato terrível. Para os eleitos também é ótimo: só têm um mês para mostrar o que valem, vão dar tudo por tudo para fazer um bom trabalho. Até porque no fim do mês já podem descansar. E dentro dos partidos não haverá mais lutas fratricidas pelo poder: os candidatos mais ambiciosos sabem que, se não forem primeiros-ministros já, poderão sê-lo no mês que seguinte. Doze chefes de governo por ano, eis a solução.

A Grécia é o berço da democracia; a Inglaterra é a cama de casal em que ela, já madura, pode finalmente dormir descansada.

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