Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.
Nem as autoridades podem evitar a tristeza de encontrar o ninho vazio
Os americanos me soam um povo infantil, com um raciocínio quase sempre literal, o que é uma inclinação pueril
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Depois de, há dois anos, a minha filha mais velha ter ido para a universidade de Exeter, no sudoeste de Inglaterra, este ano a mais nova foi para a universidade do Iowa, nos EUA. Uma se contentou com ir estudar em outro país, mas a outra resolveu mudar de continente e interpor um oceano entre mim e ela.
Se eu tivesse uma terceira filha, não sei se o planeta seria suficientemente grande para ela encontrar uma universidade a uma distância de mim que a satisfizesse. Tenho recebido muitos parabéns por Inês ter a possibilidade de ir para a universidade que escolheu. Eles me dizem que devo estar muito feliz.
Mas tem sido difícil encontrar a felicidade aqui em casa, a 7.000 quilômetros do lugar em que ela está. Para piorar a situação, eu sei —porque falo com ela todos os dias— que, lá longe, sozinha, num país estrangeiro, rodeada de desconhecidos, minha filha está mesmo muito contente.
Adora as aulas, os colegas, a universidade. Não há um lamento, uma queixa, uma lágrima. E, por isso, não há a mínima possibilidade de pedir para voltar para casa. É aqui que se vê que a sociedade está mal organizada.
Se os pais fazem sofrer os filhos, as autoridades intervêm e vão à casa buscá-los para os levar para um lugar seguro. Mas se os filhos fazem sofrer os pais, as autoridades não vão ao Iowa buscá-los para os trazer de volta à casa, onde estarão em segurança.
Talvez os Estados Unidos não tenham culpa, mas o fato de me terem roubado a filha fez com que tenha passado a olhar o país com nova animosidade. Os americanos me soam um povo infantil, com inclinação pueril à literalidade. Pronto, está dito.
Reparem, o presidente mora numa casa branca, e por isso chamaram o edifício de Casa Branca. Ele trabalha na sala que é oval, e por isso ela é o Salão Oval.
Eles fazem sempre o mesmo admirável exercício de criatividade fulgurante: olham para um objeto, verificam no dicionário o nome que tem —se é uma casa chamam casa, se é uma sala chamam sala— e depois acrescentam o qualificativo da sua característica mais evidente, seja cor, seja forma. Não sei o que é que ela viu nos americanos.
Foi estudar "creative writing" no meio dessa gente sem imaginação. Vou confrontá-la com esta grave contradição. Se fosse argumento desesperado ela não atenderia. Mas perante algo evidente e sensato, será questão de dias até voltar para casa.
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