É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard
Roteiro da queda de Moro tem trechos plagiados da Casa Branca
Assim como nos EUA, havia crença no Brasil de que superministros seriam os adultos na sala
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O general John Kelly era secretário de Segurança Doméstica quando foi puxado para a Casa Branca, em julho de 2017. Kelly virou chefe de gabinete de Donald Trump –cargo comparável, no Brasil, ao de ministro-chefe da Casa Civil–, com a missão de botar ordem na Presidência.
Conteria os extremos de Trump e organizaria o governo. Seria um “adulto na sala”, dizia-se.
Àquela altura, a sala de Trump supostamente já tinha outros adultos. Gente como o general James Mattis, chefe do Pentágono, e Gary Cohn, ex-executivo do Goldman Sachs e principal assessor econômico da Presidência.
A eles também caberia segurar o presidente e garantir que a burocracia operasse com um mínimo de eficiência.
Durou pouco. Apesar de Kelly, o governo seguiu disfuncional, imprevisível e extremado. Apesar de Mattis, Trump continuou a destroçar as alianças militares que formam a base do poder global americano. Apesar de Cohn, a Casa Branca se lançou numa aventura protecionista sem precedentes.
Nenhum deles conseguiu controlar o presidente. Pior ainda, no caminho, ficou claro que nenhum era tão adulto assim. Antes de saírem batendo a porta, todos foram coniventes com decisões e políticas que traíam os valores que eles diziam encarnar.
Tornaram-se, afinal, forças para legitimar Trump.
A melhor tradução de “adulto na sala” para o vernáculo bolsonarista é “superministro”. O significado é quase o mesmo: o indivíduo virtuoso e técnico que dominará uma área estratégica do governo, a conter os extremos do presidente e a gerir uma burocracia eficiente.
Lava-jatistas ganharam Sergio Moro. O dito “mercado” ganhou Paulo Guedes.
Ambos se enfraqueceram em pouco mais de um ano (prazo, aliás, similar ao de Kelly, Mattis e Cohn). Em vez de controlar o presidente, bolsonarizaram-se, validando decisões que traíam suas supostas virtudes.
Antes de cair, o herói da Lava Jato foi ministro do governo que mais tentou interferir e sabotar órgãos de controle na nossa história recente.
Pioramos em nossa capacidade de lutar contra a corrupção. O Chicago Oldie, depois de desprezar a ameaça da Covid-19, está sendo trocado por um PAC de farda.
A lição geral é a mesma: não existe governo “apesar” do presidente, Trump ou Bolsonaro.
No entanto, há uma diferença crucial entre ter adultos na sala, em Washington, e superministros, em Brasília. A saída dos assessores “moderados” de Trump não abalou o governo ou o país.
Naquele mundo pré-coronavírus, mesmo sem eles, os EUA continuaram a ter uma economia de quase pleno emprego, com a bolsa de valores em alta e a vida que seguia. Politicamente, a popularidade de Trump manteve-se estável. Seu poder sobre o Partido Republicano, inconteste.
No Brasil, o jogo é outro. A saída de Moro é, sem dúvida, um golpe na credibilidade de Bolsonaro entre seus apoiadores, e mesmo entre os que se mantinham neutros em relação ao seu governo.
A depender do caminho que o ex-juiz seguir, Bolsonaro também pode se deparar com um poderoso antagonista.
Com a economia brasileira a afundar recessão adentro, uma saída de Guedes também poderia ter consequências enormes.
No final, a força institucional dos EUA é outra. E nossa fraqueza nos torna ainda mais vulneráveis à mitologia dos ministros salvadores.
As opiniões expressas acima não refletem necessariamente a posição do Council of the Americas.
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