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Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

Precisamos falar menos sobre ESG

É preciso educar investidores sobre o tema; alterações climáticas não fazem parte do assunto de domingo da maioria das famílias brasileiras

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Nas suas "Confissões", Santo Agostinho (354-430) descreve um ato surpreendente de Santo Ambrósio: ler em silêncio. Nessa altura, a leitura era tradicionalmente domínio dos profissionais da fé e feita de forma ritualista e em voz alta. O mercado ESG no Brasil talvez precise imitar o bispo de Milão e também descansar a voz e a língua.

O volume global de investimentos que levam em consideração informações ambientais, sociais e de governança (ESG) cresce de forma consistente ano após ano. Na China e na Europa o avanço é motivado por regulamentações governamentais, no Canadá e Japão por influência dos fundos de pensão, nos EUA pelos investidores de retalho mais jovens. Mas no Brasil, ao longo dos últimos meses, tem sido influenciado pelas áreas de marketing e de comunicação.

Escrevo esta coluna durante uma viagem a trabalho a Genebra, onde algumas casas financeiras me perguntam sarcasticamente sobre “the Brazilian way of doing ESG.” Quem está fora, olha para a recente sofreguidão brasileira em lançar produtos ou estratégias ESG com circunspeção. Faltam pilastras sólidas e terreno firme no mercado financeiro para suportar o peso de tanto alvoroço.

São duas as principais preocupações. A primeira é a insuficiente formação de profissionais do mercado financeiro brasileiro nesta área. Muitos gestores de fundos de investimento (mercado de R$ 6 trilhões) e gestores de património (mercado de R$ 1,5 trilhão) reconhecem, a portas fechadas, que lhes falta treino e experiência. Nenhuma escola de negócios no país oferece cursos executivos ou de especialização em gestão financeira ESG. A pesquisa científica brasileira é quase inexistente.

Para agudizar o problema, muitos dos ativos ESG são de renda variável, um território ignoto para muitos gestores brasileiros com menos de 45 anos, afeitos ao conforto da renda fixa. É preciso também educar os próprios investidores de retalho e clientes de alta renda. Temas como alterações climáticas ou diversidade não fazem parte do almoço de domingo da maioria das famílias no Brasil.

As primeiras rachaduras começam a aparecer. Alguns gestores de património estão tendo dificuldade em mobilizar capital dos seus clientes de alta renda para produtos ESG. E há investidores estrangeiros que questionam a autodeclarada etiqueta ESG de fundos lançados no Brasil nos últimos meses.

Em segundo lugar, a hype brasileira com ESG é prejudicial à própria rentabilidade financeira. Para se consolidarem e serem devidamente capitalizadas, as finanças sustentáveis, ou qualquer outra estratégia de investimento, precisam de crescer com serenidade. Warren Buffett não tem terminal da Bloomberg no seu escritório. Mohnish Pabrai tem uma cama no local de trabalho para poder descansar e pensar.

Ganhar dinheiro com ESG, principalmente em estratégias de renda variável, requer copiosa análise e ponderação, tanto de dados financeiros quanto não financeiros. Isto por que a geração de alfa demanda a identificação do valor ESG de papéis antes do mercado os precificar.

As bolhas “dot.com” do final da década de 1990 e das criptomoedas de 2017 são eternos lembretes de que investimentos têm que ser feitos escutando a razão e não a chilrearia. Santo Agostinho antecipa o mesmo nas suas Confissões: foi quando se encontrava em silêncio num jardim de Milão que encontrou razões para se libertar de uma vida de aparências.

O episódio está esculpido no seu túmulo gótico, que pode ser visitado numa basílica de Pavia, na Itália – um país que tem espantosos 2 trilhões de Euros investidos com uma lente ESG (dados de 2018), mas onde se fala pouco publicamente sobre o tema.

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