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Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

Risco e desespero

Votar em Milei é aposta de desespero; resta saber quem paga a conta

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O que têm em comum a eleição de Javier Milei, a migração de sírios para o Brasil sem dinheiro no bolso, jovens que entram cedo para o tráfico e quem joga na loteria? São tomadas de decisão não muito diferentes das de um empreendedor.

Uma das áreas nas quais brasileiros menos se sentem confortáveis, tanto intelectual quanto emocionalmente, é a análise de decisões de risco e retorno.

Quando pergunto "quem quer ficar rico?", todos os alunos levantam a mão. "Ok, mas como se fica rico?" A maioria não sabe. Alguns respondem que é trabalhando duro. Todavia, essa é uma condição necessária, mas não suficiente. Gastar mais que se ganha, dizem outros. Essa não é nem condição necessária.

Outra resposta: é preciso inovar! De novo, somente condição necessária.

Rosto do agora presidente eleito Javier Milei estampa nota de US$ 100 durante campanha presidencial na Argentina - Matias Baglietto - 16.nov.2023/Reuters

Depois de idas e vindas, a resposta: a condição suficiente é arriscar, e de verdade, com todos os seus recursos e tempo em algo com pouca chance de sucesso. Quando pergunto para filhos de empresários quanto seus pais trabalhavam na época de fundação da empresa, a resposta é, inevitavelmente: todo o tempo.

No Brasil, é compreensível que gerações que passaram por hiperinflação e planos mirabolantes se tornem mais avessas a risco. Um exemplo vem dos avós de um aluno, que criou uma empresa que já está buscando investimento internacional. Eles acham que o melhor seria se o neto buscasse um emprego público, daqueles bem seguros.

Mas o que diabos isso tem a ver com eleições, migrantes, tráfico e loteria? Quando tomamos decisões em ambientes normais, é comum vermos comportamentos moderados.

Mas a desesperança muda o cálculo: sem perspectiva de futuro, somos direcionados a decisões de altíssimo risco, com baixa probabilidade de sucesso, desde que haja promessa de mudança do status quo.

Os eleitores de Milei não fizeram muito diferente do que os eleitores de Collor em 1989. Com hiperinflação e um sistema político fragilizado pelo desastre dos militares, escolhemos o "investimento" com maior capacidade de mudar o status quo.

Demos com os burros n’água. Prefiro acreditar que os argentinos votaram em Milei mais por desespero do que por estarem seduzidos pela sua cara de Frodo que ficou com o anel e virou o vilão do filme.

Foi o desespero que trouxe meus avós da Síria para o Brasil na década de 1950, abandonando tudo que conheciam para passar fome numa terra estranha. Eles não aguentavam mais a vida na roça e jogaram tudo para o alto, mesmo sabendo que iam sofrer muito mais, e sem saber se ia dar certo.

Deu, mas meus tios nunca se esqueceram de ter que compartilhar sapato para ir pra escola; como só havia um par, um dia um ia com ele e o outro ia descalço, e no dia seguinte eles trocavam.

Se um jovem na favela olha para o lado e não vê nenhum futuro, é quase racional se juntar ao tráfico. E o mesmo vale para loterias, conhecidas como impostos sobre os pobres. São mesmo, mas permitem algo que é quase impossível de outra forma, na nossa sociedade contemporânea moedora de carne: sonhar por algumas horas.

A chance de um governo Milei dar certo é ínfima, mas a outra opção era a hiperinflação e a continuação da miséria. Isso não justifica o voto na extrema direita, mas explica sua racionalidade.

Infelizmente, não podemos estender a análise para a extrema direita brasileira. Deste lado, o capitão cloroquina tinha concorrentes decentes. Mas essa é outra história. Votar em Milei é aposta de desespero. Resta saber quem paga a conta.

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