Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan
Descrição de chapéu inflação juros WhatsApp

Dívida é vida

Quando aparece uma dívida boa, deveríamos segurá-la e não largá-la de jeito nenhum

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"A minha empresa não tem nenhuma dívida. Não devo nem a fornecedores", contou orgulhoso o CEO de uma empresa de médio porte.

"Hã? Como assim?", retruquei, espantado. "Assim que bate um boleto, mando pagar na hora, mesmo que vença em dois meses." Com suas filhas, executivas da empresa, fizemos umas contas: se a empresa passasse a pagar os boletos no dia do vencimento, liberaria R$ 1,2 milhão para ser usado em investimentos, pagar dividendos extras ou o que mais que fosse.

A ideia de que dívida é ruim é algo vivo na cultura brasileira, mesmo para empresários bem-sucedidos que têm todos os incentivos a tomar decisões racionais sobre endividamento.

Cédulas de real - Gabriel Cabral/Folhapress

O problema de viver no país com os juros reais mais altos do mundo e com memória recente da hiperinflação é que temos gerações de brasileiros traumatizados com endividamento. Mas, para empresas que estão no lucro real, há um significativo benefício tributário para o endividamento: os valores de juros pagos podem ser descontados da base de cálculo do Imposto de Renda. O resultado é um desconto de 34% na taxa de juros; se uma empresa pega recursos a 10% ao ano, acaba pagando somente 6,66%.

Há dívidas ruins (muitas) e boas (poucas), mas o que não deveria haver é recusa peremptória a pegar empréstimos, como acontece com muita gente. Um amigo estava louco para quitar a dívida do imóvel. Mas os juros da sua dívida eram de somente 6% ao ano. Expliquei que ele poderia aplicar no Tesouro Direto e receber isso mais a inflação. Ou que poderia comprar títulos prefixados ou Tesouro Selic. Nada o convenceu.

Mas, quando disse que, se ele não quitasse o imóvel, mantivesse o dinheiro e algo acontecesse com ele o filho receberia o imóvel quitado e o dinheiro em títulos públicos, uma lâmpada acendeu acima da sua cabeça. Somente o argumento de herança para o filho o convenceu de que manter uma dívida barata e dinheiro em outros ativos era melhor do que quitá-la.

Não estamos mais no início da década de 1990. Não há mais hiperinflação. E, exatamente por termos os juros mais altos do mundo, quando aparece uma dívida boa, deveríamos segurá-la e não largá-la de jeito nenhum. Dívida ruim afoga, mas dívida boa é vida.

O Banco Central finalmente aprovou a utilização do WhatsApp Pay. No resto do mundo esse tipo de pagamento já ocorre há mais de 15 anos, com bastante sucesso.

WeChat e Alipay já cobrem mais que 90% da população da China. São bilhões de transações diariamente. A plataforma WeChat tem mais de 3,5 milhões de miniprogramas (muitos, lojas ecommerce), que transacionam mais de 3 trilhões de ienes (R$ 2,25 trilhões) por ano.

Enquanto a receita do WhatsApp por usuário é de menos de US$ 1, a Tencent arrecada mais de US$ 7 por cada uma das contas, que são mais de 1 bilhão.

Moro na China, e há anos não preciso sair com carteira pelas ruas. De balas até carros, tudo pode ser pago com várias plataformas de pagamentos digitais. A grande questão para o sucesso do WhatsApp Pay no Brasil é a segurança. Na China, também há preocupação grande com fraudes, e essa é a grande barreira para ainda maior penetração de serviços digitais.

Mas uma coisa é certa. A democratização dessas plataformas bancarizou grande parte do país, onde quase 500 milhões de pessoas vivem em áreas rurais. A qualidade de vida de quem mora no interior aumentou sobremaneira. Esse vai ser o efeito no Brasil? Difícil saber, mas antes tarde do que nunca.

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