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Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

O câncer do descaso com o tempo alheio

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"Mas é claro que vou deixar R$ 10 extras. Me atrasei e tenho que compensar seu tempo." "Quem dera todos pensassem assim", respondeu o motorista. Nunca me atraso, mas fiquei preso no elevador e o motorista teve que esperar cinco minutos até resolverem o simples problema.

O descaso com o tempo alheio é um câncer que deve ser extirpado. Mas nossa cultura é péssima em reconhecer isso. Nunca devemos deixar alguém esperando, especialmente se a pessoa está perdendo dinheiro com isso. Mas isso é muito comum, do entregador de uma farmácia a um motorista de um Uber e até mesmo o gerente de uma multinacional. Já cansei de ver reunião atrasar porque quem apresentaria não chegou na hora.

Em uma multinacional com escritório no Rio, há uma placa em cada sala de reunião. Se ela não começar em até dois minutos do horário marcado, a reunião está cancelada e o espaço não pode ser mais usado. Depois que o primeiro grupo que se atrasou e ainda assim queria começar a reunião foi expulso pelo CEO, todo mundo entendeu que a placa era para valer. Só assim a empresa conseguiu combater o descaso do brasileiro com horário marcado.

Uma coisa é dizer para um amigo que vai passar na sua casa umas 15h. Outra é marcar um compromisso de trabalho e se atrasar. Todo mundo sabe que gastar o tempo do amigo é prerrogativa de qualquer carioca.

"Pô, Katia, já não estou te cobrando pela consultoria e você ainda me deixou esperando na frente do seu restaurante? Por favor, não faça mais isso." Não tinha como levantar e ir embora, porque era uma amiga, não uma relação profissional. No Rio, qualquer programa pode até ser desmarcado retroativamente.

Se o combinado era você aparecer às 20h, não há problema algum em informar que não dá mais para ir às 20h45. Essa cultura está arraigada e lubrica as relações sociais na cidade, tornando-as mais leves. Mas não dá para levar isso para o lado profissional.

O mundo no qual uma consulta médica é marcada para as 13h e acontece no horário certo é possível. Mas isso só quando começarmos a ter vergonha na cara. E isso vale para o médico também, que anuncia que vai começar a atender às 9h e chega uma hora depois. Reuniões virtuais têm ajudado; tendem a começar mais ou menos na hora. Claro que muitas se estendem. Mas aí é outro problema. Toda reunião deveria ter pauta e alguém para tocá-la quase como se fosse condutor de uma orquestra.

Há várias razões pelas quais não respeitamos o tempo dos outros, incluindo a ideia de que qualquer negociação é um jogo de soma zero, onde alguém ganha e outro perde. "Se aceitou a corrida por esse preço, tenho o direito de descer com atraso" é um argumento mesquinho e egoísta. "Se estou pagando, posso exigir que faça direito, não importa o tempo que tome" é só abuso de poder.

Profissionais têm que saber quanto vale sua hora de trabalho. E podem discriminar preços. Se é algo que não querem fazer, podem jogar o preço nas alturas. "Quanto você quer por essas aulas?" "Nada. Se cobrar, vocês não podem pagar." "Como assim? Somos grande empresa. Temos orçamento." "Sim, mas vocês só podem pagar se o preço for infinito. Minha prioridade é meu tempo, e só dou preço se estiver minimamente interessado em fazer."

Tempo é dinheiro. E se você é o último a sair de um bar, saiba que muitos funcionários estão te xingando. Respeite o tempo dos outros. Garanto que você não vai se arrepender.

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