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Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Como não percebi antes?

O cinema sempre foi irreal. A diferença é que era feito de modo a que não soubéssemos disso

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Só percebi outro dia, ao rever “A Sombra de uma Dúvida”, o filme favorito de Alfred Hitchcock, de 1943. Joseph Cotten, de costas para nós, abre uma porta, passa por ela e sobe uma escada, seguido pela câmera. Nada demais nisso, não? Não —exceto que era impossível que a câmera, uma enorme Mitchell da época, passasse por aquela porta. O segredo é que, na filmagem, o portal se abriu, com parede e tudo, tornando-se um vão livre. Só então me dei conta de que vi isso em muitos filmes do passado.

Em “Casablanca” (1942), na empolgante sequência na boate de Humphrey Bogart, em que Paul Henreid ordena à banda da casa tocar a Marselhesa para abafar o “Die Wacht am Rhein” cantado na mesa dos oficiais nazistas, veem-se no máximo cinco músicos em cena. Mas, dali a pouco, quando os franceses se juntam em coro, o que se escuta na trilha sonora é a baita orquestra da Warner, com 50 figuras. E, de novo, como não percebi antes?

Não percebi porque a graça do cinema, pelo menos o americano, estava em tornar invisíveis os truques, os efeitos especiais. E não os víamos, assim como achávamos natural que os personagens não fizessem certas coisas da vida real. Exemplos:

Ninguém perdia dentes ao levar um soco. Ninguém trancava o carro na rua. Ninguém saía pela porta do volante. Ninguém perguntava o preço —o sujeito já tirava o dinheiro certo do bolso, pagava e não havia troco. Ninguém se despedia ao desligar o telefone. Ninguém completava uma refeição —algo acontecia e o camarada se levantava da mesa na primeira garfada. Ninguém acordava despenteado. Ao pular da cama, todos punham um robe sobre o pijama ou camisola. Ninguém fazia xixi antes de lavar o rosto —nem depois.

Como agora vou pouco ao cinema, não sei se ainda é assim. Só sei que, nos filmes de hoje, quando alguém mata 30 inimigos com uma pirueta voadora ou explode sozinho uma cidade inteira, é truque.

Teresa Wright e Joseph Cotten em lobby cards originais de "A Sombra de uma Dúvida", filme de Hitchcock, de 1943 - Heloisa Seixas

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