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Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Você já entregou hoje?

Entregar, no sentido de "to deliver", vem do dialeto farialimer, um português versão Herbert Richers

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No próximo programa de esportes a que assistir, tente acompanhar quantas vezes ouvirá o verbo entregar. "Fulano não entregou o que o treinador esperava." "Beltrano entrega mais como meia do que como volante." "Jogar com o nome não basta, tem que entregar." "Nunca vi esse time entregar tão pouco." "Sicrano não entrega no Lá Vai Bola o que entregava no Arranca-Toco." Entregar, no caso, é uma apropriação do verbo "to deliver", que, entre muitos outros sentidos em inglês, significa desempenhar, render, ser eficiente.

"Entregar", em sua nova acepção, é um produto do dialeto farialimer, uma espécie de português versão Herbert Richers, usado por economistas, executivos, corretores da Bolsa e outros profissionais que compram suas gravatas em Nova York. De lá, espraiou-se entre os humildes e chegou ao futebol. É comum, ao fim de uma partida, ouvir até dos jogadores mais xucros: "A gente sabe que não entregou o que devia, o time deles é muito qualificado, quando acordamos já estava 5 a 0, mas agora é levantar a cabeça porque quarta-feira tem outro jogo e vamos entregar mais."

Nada contra esta nova acepção de "entregar". É somente mais uma utilidade de um verbo que já nos presta tantos serviços: entregar [algo a alguém], entregar alguém à polícia [alcagüetá-lo], entregar-se [dizer sem querer algo que não devia], entregar-se [dedicar-se] a alguém, entregar-se [doar-se] a uma causa e entregar-se [ceder] à bebida ou ao desânimo. No próprio futebol, entregar já teve outro significado: "Não foi frango! O goleiro é que entregou!" [entregou o jogo, vendeu-se, deixou-se subornar].

No Brasil, onde cada vez mais tentamos falar português em inglês, "entregar", no sentido de "to deliver", é só um exemplo. O cômico é que, agora, já não usamos o verbo para pedir que nos entreguem em casa algo que compramos na rua ou pela internet.

Hoje pedimos delivery.

Área de delivery para moradores no subsolo de um prédio em São Paulo - Eduardo Knapp - 22.jun.22/Folhapress

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