Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Becky S. Korich

Sou farialimer desde criancinha e não tenho vergonha

O deboche à Faria Lima carrega uma superioridade moral, disfarçada de modéstia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Sou farialimer desde criancinha, quando Faria Lima ainda não era adjetivo, era só nome de rua. Desde cedo, capitalista que é, a Faria Lima já sugava o meu dinheiro: era lá, numa loja de discos chamada Hi-Fi, dento do shopping Iguatemi, que eu depositava todas as minhas economias e satisfazia o meu sonho de consumo comprando meus vinis. Gastava, ou melhor, investia todo o dinheiro que recebia do meu primeiro estágio profissional, sem imaginar que estava aplicando meu patrimônio justamente na futura Wall Street paulistana.

Nenhuma XP poderia ter me oferecido um melhor investimento na vida: o gosto pela música. Foi lá, também, perto da marginal, que comecei a correr na rua e não parei mais. Não posso, então, renegar a região que me rendeu tanto. Pelo contrário: sou eu a renegada. O shopping que antes não tinha frescura (e hoje só funciona na teoria para mim) me olha com o nariz empinado, se esquecendo de que já éramos conhecidos muito antes de ele subir na vida, numa época em que as vitrines eram possíveis, os saltos não eram tão altos e o piso não era encerado e reluzente como hoje é.

0
Usuário de patinete elétrico na região da avenida Faria Lima, em São Paulo - Eduardo Knapp - 9.jun.2019/Folhapress

Apesar da fama, a Faria Lima é um lugar democrático, onde bicicletas, patinetes, gravatas e camisetas não apenas convivem pacificamente, mas colaboram entre si, apesar de alguns atropelos e muitas diferenças. Enquanto os camisetados sonham em usar coletes e camisas, os engravatados sonham em se livrar da indumentária e entrar no conforto das suas camisas polo no fim do dia.

Não tenho vergonha de dizer que frequento —e aprecio— a Faria Lima, assim como não tenho pudor de transitar pela avenida com os meus chinelos habituais, desde que meu dedão não seja pisado por nenhum sapatênis apressado. Como não sou exclusivista, frequento a avenida Paulista e, além de farialimer, sou uma vilamadalener, onde morei por muitos anos e nunca desapeguei. E quer saber? É tudo a mesma coisa. Só muda o dress code, os assuntos, o tema da tatuagem, o modelo do celular e, claro, o número de zeros na conta corrente. O resto (qual resto?) é igual. O fato é que todos fazemos parte de uma bolha: ou a que escolhemos ou a que as circunstâncias nos colocaram, no sorteio da vida que não tem explicação nem justiça.

O deboche aos farialimers carrega uma superioridade moral, disfarçada de modéstia. Não são os farialimers os responsáveis pela desigualdade, mas é justamente a desigualdade —cruel e sistêmica— a responsável pelos farialimers, vilamadalaners, berriners, pompeiers, santa ceciliers e outras bolhas afins.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.