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Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

Neurociência explica por que atuar é deixar de ser si mesmo

Por esta ótica, atuar é o oposto de um processo criativo de autoexpressão

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Escrevi aqui recentemente que o cérebro em estado criativo para de se auto-policiar e se deixa levar pela própria bagagem acumulada ao longo da vida, formando e descobrindo livremente novas associações entre os elementos, incluindo memórias e emoções, em seu repertório. Os produtos da nossa criatividade são, portanto, altamente pessoais —o que é garantido pelas estruturas do sistema auto-referente do córtex cerebral, que juntam todas as partes do “eu” e tomam conta do comportamento durante as ações de improviso. Ou seja: os momentos criativos são quando somos mais puramente nós mesmos.

Não deveria ser surpresa, portanto, descobrir que tornar-se temporariamente outra pessoa envolve o mecanismo contrário: calar a si mesmo, e agir conforme um plano externo. Por esta ótica, atuar —agir como se na pele de uma personagem— é o oposto de um processo criativo de autoexpressão. Atuar requer autossupressão.

Quem diz isso são neurocientistas da Universidade McMaster, em Ontário, no Canadá, que publicaram em 2019 um estudo com o delicioso nome de “A Neurociência de Romeu e Julieta”. O nome era perfeitamente apropriado: os pesquisadores convidaram atores e atrizes profissionais, adeptos do método de atuação de Stanislavski, a encarnar Romeu e Julieta, respectivamente, de dentro do aparelho de ressonância magnética, que capta as minúsculas variações de atividade do cérebro pela sua interferência com o campo magnético gerado pela máquina.

Cena do filme Romeu e Julieta (1968), dirigido por Franco Zeffirelli, com roteiro baseado na obra de William Shakespeare - Divulgação

O método consiste em incorporar personagens de dentro para fora, adotando-se sua personalidade, e não encarná-los gestualmente, de fora para dentro.

O estudo comparou o padrão de atividade cerebral enquanto os voluntários respondiam a perguntas como si mesmos; como si mesmos, mas fazendo o sotaque inglês de Shakespeare; e com o mesmo sotaque, mas agora atuando como se fossem Romeu ou Julieta.

O resultado é que na pele de seus personagens, os atores estão literalmente fora de si: as estruturas mediais do córtex pré-frontal que nos mantêm integrados, normalmente fazendo a interface entre razão e emoção que define nosso temperamento e personalidade, estão fortemente desativadas. O “self”, portanto, se esvai enquanto o ator encarna outra pessoa. Enquanto isso, o córtex pré-cuneal, também na face medial do cérebro mas próximo às áreas visuais, grande responsável pela atenção, funciona a todo vapor, mantendo no ar as várias partes do Outro incorporado.

Atuar é literalmente deixar de ser si mesmo —o que, ao contrário de criar, requer grande auto-controle.

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