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Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

Descrição de chapéu Mente

Comportamento sem cérebro

Aliás, até sem vida, também

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Aprendi este fim de semana, ouvindo um livro sobre comportamento animal, que parece que a psicologia ainda tem dificuldade para concordar sobre o que é comportamento. Adoro a ironia, pois psicologia é exatamente o campo que estuda... comportamento. Claro que não ter uma boa definição do próprio campo de estudo não é exclusividade dos psicólogos: a própria neurociência mal sabe titubear uma resposta para "o que é consciência", aquilo que o cérebro produz.

Tenho para mim que o problema em ambos os casos é a soberba humana, que acha que comportamento e consciência são prerrogativas da nossa espécie, e apenas casos muito especiais são dignos de inclusão em nosso clube. Aí começam os estudos que buscam descobrir aquilo que "só humanos possuem" —e que dão n’água, pois o cérebro humano é em muitos aspectos apenas mais um cérebro vertebrado, apenas com um córtex cerebral cheio de neurônios.

Donde a expectativa de que "comportamento" deve ser "aquilo que o cérebro humano produz". Eita circularidade inútil. Em vez de definição, a autora do livro (o nome não vem ao caso) propõe que comportamento seja definido por exclusão, com o "teste do homem morto": se um "homem morto" ainda pode fazer, então não era comportamento. O pobre do homem morreu e perdeu o que nem sabia definir...

Pois sem saber que a definição dava briga, e precisando de uma definição operacional para poder entender o que cérebros acrescentam ao comportamento, eu fui lá e adotei uma bem simples. É assim: comportamento é toda ação observável. O guri bota o dedo no nariz? É comportamento. O robô dança? É comportamento. A ameba come o paramécio? O ventilador oscila de um lado para o outro? A Lua orbita a Terra? Tudo isso é comportamento, que não precisa de cérebro, muito menos de vida —só de energia em fluxo.

Pergunta interessante, agora sim, é o que o cérebro, ou sistema nervoso, acrescenta ao comportamento. As ações de seres vivos sem cérebro —bactérias, fungos, plantas— são estereotipadas e bastante previsíveis. Alguma mudança é sempre possível, pois toda célula é capaz de perder a sensibilidade ao que se torna sempre presente. Mas sem cérebro, a memória é muito limitada, e a vida é um tanto inflexível. O ventilador oscila pra lá e pra cá, chova ou faça sol, enquanto estiver na tomada e seus circuitos funcionarem.

Mas com um cérebro, o comportamento se torna flexível, capaz de encontrar associações entre eventos e criar novas ações em vez de apenas responder bestamente aos acontecimentos. Com um córtex cerebral, sobretudo um cheio de neurônios e, portanto, possibilidades, como o nosso, o comportamento ganha passado e futuro, a capacidade de simular outras realidades, para então agir em prol daquelas desejadas e fazer o que pode para evitar as indesejadas.

A nova realidade não precisa ser perfeita; o cérebro sabe às vezes abrir mão do que quer para evitar o que absolutamente não quer. O importante é que, havendo um cérebro, podemos simular o futuro —e agir de acordo desde já. Ou dia 2 de outubro...

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