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A educação que me escapa

Minha filha está viciada em Luccas Neto

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Aconteceu. Minha filha foi passar a tarde com uma amiguinha da escola e voltou desesperadamente viciada em Luccas Neto. Eu já havia sido alertada para esse fenômeno por mães mais experientes: "Segura o máximo que você conseguir, mas é melhor estar preparada".

Desde então, a entonação "Casas Bahia" do rapaz me persegue. A frase mais dita pelo aventureiro azul, "eu te-nho a co-raaaa-gem", é tão repetida pela televisão e pela Ritinha que precisei aumentar minha dose de Stressdoron e Ansiodoron (que nunca funcionam direito, mas eu adoro esses nomes).

Devo proibir? Devo insistir em brinquedos de madeira educativos e espaços ao ar livre com o solzinho batendo na grama do jardim? Devo. Mas já combinei com meu superego macabro que vou ser uma boa mãe apenas em 50% do tempo que tenho com ela, que é 50% do meu tempo como um todo. Nos outros 50% do tempo sem ela, vou tentar ser 50% boa nas outras coisas em que preciso ser. E nisso vou totalizando, dia após dia, 100% do meu tempo sendo uma merda de ser humano e a outra metade (que metade? Eu sou de humanas, me perdi) tentando não pensar sobre isso.

Minha filha ficou viciada pelo aventureiro azul Luccas Neto - Guto Costa - 21.jul.22/Divulgação

Os brinquedos educativos de madeira estão escondidos bem no fundo de uma caixa, e minha filha os alcunhou de "chatos que não gosto mais e tira daqui logo credo manhê não enche".

A caceta da pedra azul do poder (espécie de arma e amuleto do aventureiro azul da coragem; e eu não acredito que estou explicando isso em uma crônica) demorou demais para chegar aqui em casa. Rita chorava pelos cantos: "Mas mãe, eu preciso dela, ela é importante na luta do bem contra o mal". Mesmo obliterada pelo selvagem capitalismo luccasnetiano, minha filha tem alguns discursos que se parecem demais com uma esquerda paulistana bonachona.

Agora ela quer também a pedra vermelha do poder (13 confirma!), missão que passei para seu pai. E aproveitamos para discutir se essa imersão desenfreada de nossa filhinha em um mundo "de magia e fantasia pra você viver o seu soooo-nhoooo" vai estragar a vida de todos nós. Concluímos que sim e também que não vamos fazer nada drástico para conter os danos. Luccas Neto é tipo bronquiolite viral aguda infantil: é insuportável e de repente passa.

Do meu escritório, enquanto tento em vão trabalhar, ouço preocupada o conteúdo do que Ritinha consome. A cada dez segundos, os programas do meninão milionário com passado tenebroso vendem uma cacetada indecente de produtos. De suquinhos a bonecos cabeçudos, passando por leitinhos com chocolate e vitaminas. Os filmes, quanto mais toscos, mais deixam vidrados os olhos da minha filha. Pesquiso na internet e entendo que o canal foi repaginado e que agora o "roteiro" traz assuntos como saúde, educação e inclusão. São bons? Não. Mas se no meio da luta dos aventureiros eu sugerir uma pracinha, minha filha vai fazer um escândalo mais danoso pra nossa saúde mental do que toda a culpa que estou sentindo.

Essa é a verdade, amigos. No último domingo, Rita acordou às sete da manhã e eu precisava muito dormir até umas nove. Meti um "Luccas Neto em: Duas Babás Muito Esquisitas" na criança e fui até oito e quarenta e sete. Tá certo isso? Provavelmente não. Mas os filhos montessorianos waldorfinianos tampouco estão livres da psicanálise (ou talvez precisem até mais). Nascer é traumático. Uma das babás eu achei bem gata.

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