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Um pai condenado à pobreza pela masculinidade

'Quem Matou Meu Pai' retrata infância do autor junto a quem pensava amar

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A editora Todavia lançou há poucos meses dois relatos breves e emocionantes do autor francês Édouard Louis, conhecido pela escrita bastante autobiográfica e politizada (E brilhante! Como já contei aqui outras vezes, ele é um dos meus escritores preferidos). Em "Lutas e Metamorfoses de uma Mulher", Édouard narra a trajetória de sonhos e privações da mãe. Neste "Quem Matou Meu Pai", é a vez de contar um pouco como foi a infância ao lado de um homem que muitas vezes teve "a impressão de amar", mas por cuja ausência ansiava ao retornar da escola. Um homem capaz de surpresas e afetuosidades inesperadas e que fingia odiar a felicidade, "como se quisesse se convencer de que tinha o controle da infelicidade".

A repetição é uma espécie de enredo fixo na obra de Édouard: as mesmas situações de pobreza e maus-tratos aparecem em todos os seus livros. Sabemos do preconceito e das violências que o escritor tanto sofreu, dentro e fora de casa, por ser gay. Sabemos da solidão que sentiu ao ascender financeira e, sobretudo, intelectualmente. Sabemos da miséria que se prolongou por gerações até que Édouard se tornasse um escritor de sucesso. Louis costuma chamar suas recorrências literárias de resistência: "Será que não é preciso repetir até que nos ouçam? Para forçá-los a nos ouvir? Será que não é preciso gritar?".

"Quem Matou Meu Pai", livro do francês Édouard Louis, da editora Todavia - Divulgação

Narrado na forma de uma carta aberta ao pai, o autor o relembra da própria história, como se até mesmo do direito de elaborar a própria situação o homem tivesse sido desapossado: "Você não pode mais dirigir sem se colocar em perigo, não tem mais permissão para beber, não pode mais tomar banho ou ir trabalhar sem correr riscos imensos. Você tem pouco mais de cinquenta anos. Você pertence àquela categoria de seres humanos para quem a política reserva uma morte precoce".

Para a intelectual americana Ruth Gilmore, citada na abertura desta obra, racismo é "a exposição de algumas populações a uma morte prematura". Édouard Louis soma a tal definição o machismo, a homofobia, a transfobia e a dominação de classe: "Política é a distinção entre populações com a vida sustentada, encorajada, protegida, e populações expostas à morte, à perseguição, ao assassinato".

O perfume do pai, motivo pelo qual a mãe de Édouard se apaixonou por ele e decidiu se casar novamente (para na sequência engravidar do escritor), aparece nos dois relatos permeado por certa perplexidade. É como se Louis se perguntasse se toda aquela vida miserável, agressiva, tediosa e desrespeitosa pudesse simplesmente não ter acontecido, para nenhum dos envolvidos, se o pai não usasse tal colônia em uma época em que os homens já não se importavam mais com isso.

Com a mesma surpresa, Édouard descobre que o pai, quando moço, dançava igual a ele: "O fato de que seu corpo já tivesse feito algo tão livre, tão bonito e tão incompatível com sua obsessão pela masculinidade me fez entender que talvez um dia você tivesse sido outra pessoa".

Se para Sartre somos definidos pelo que fizemos, aqui o autor conta a história do pai a partir de tudo o que ele não pôde fazer ou ser: "Há aqueles a quem a juventude é oferecida e aqueles que só podem se obstinar em roubá-la".

Um tipo de virilidade era algo tão imprescindível aos homens da família que sair da escola, ser violento com professores e não se submeter às ordens era visto como heroico: "Construir sua masculinidade significava se privar de outra vida, de outro futuro, de outro destino social que os estudos poderiam permitir. A masculinidade o condenou a pobreza".

Hoje, o pai, que já rompeu com o filho por notar que este cada vez mais se entendia como uma pessoa de esquerda, diz que ele tem razão ("acho que uma boa revolução seria necessária") e pede que lhe conte sobre o homem que ama.

Quem Matou Meu Pai

Avaliação:
  • Preço: 49,90
  • Autoria: Édouard Louis
  • Editora: Todavia
  • Tradução: Marília Scalzo

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