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O que a Folha pensa Estados Unidos

Desvincular Orçamento é reforma urgente

Destinação obrigatória enrijece 90% do gasto federal, eleva dívida e juros e mina debate sobre prioridades e eficiência

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Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF) - Getty Images

Alguns indicadores econômicos brasileiros, de tão destoantes do padrão no mundo desenvolvido, deveriam fazer soar alertas para a correção urgente dos rumos.

Um deles, sem dúvida, é o nível extravagante das despesas de execução obrigatória no Orçamento da União, permanentemente alimentado por engrenagens legais de indexação automática. Em razão desse mecanismo, 90% do desembolso federal hoje tem a sua destinação assentada em pedra.

Nos EUA, a taxa de rigidez orçamentária do governo nacional pouco supera os 60%. A da Coreia do Sul, caso exemplar de enriquecimento acelerado nas décadas finais do século 20, fica em torno de 50%.

Algumas das desvantagens e dos custos de sustentar tamanha calcificação financeira tornaram-se evidentes na resposta ao desastre das enchentes no Rio Grande do Sul.

Impossibilitado por regras constitucionais de rever parcela majoritária da execução orçamentária vigente diante de uma emergência, restou ao governo federal o recurso, caríssimo, de autorizar a tomada de ainda mais dinheiro emprestado dos credores do Tesouro.

O apoio federal à reconstrução da infraestrutura gaúcha, a qual se estenderá pelos próximos anos, tampouco terá o volume e a fluidez possíveis num regime orçamentário mais flexível. Comprimida pelos dispêndios obrigatórios, a rubrica dos investimentos da União em obras e melhorias para todo o país nem sequer atinge 0,8% do PIB.

Se nada for feito, vai continuar o processo de esmagamento dos gastos chamados de discricionários —aqueles cuja destinação pode ser objeto de deliberação pelos representantes da população.

Entre os defeitos das leis que criaram o atual marco fiscal, precocemente desgastado pela inclinação à gastança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), consta o de ter voltado a destampar a caixa de Pandora da feroz vinculação de despesas com saúde e educação.

Antes submetidas à correção pela inflação do sepultado teto de gastos, elas agora assumem um percentual da arrecadação federal. Essa arapuca transforma qualquer aumento de receita tributária —o único modo perseguido por este governo perdulário de diminuir o rombo fiscal— em elevação obrigatória de despesa no ato seguinte.

Some-se a isso o retorno, pela mão da administração petista, das correções do salário mínimo acima da inflação. Como o piso salarial indexa 60% dos benefícios da Previdência, o resultado é um crescimento veloz e insustentável desse item polpudo da despesa federal.

Quando os desembolsos obrigatórios crescem rapidamente, e quando o aumento de receita implica mais gasto, a compressão dos discricionários só não é inexorável com recurso ao endividamento.

Não é por outra razão que a dívida bruta do governo federal, hoje de 76% do PIB, deve continuar a crescer pelos próximos anos se o statu quo das instituições fiscais não for alterado. Esperar que o país retome juros civilizados nesse contexto equivale a crer em magia.

Recolocar as instituições fiscais no caminho condizente com o crescimento sustentável da economia passa por uma reforma do Orçamento que desvincule as despesas e reduza sobremaneira o peso dos gastos obrigatórios.

A boa prática internacional, adotada só no papel pelo Brasil, preconiza que se discutam antes de tudo o mérito e o objetivo dos programas candidatos a ser financiados pelo erário. O custeio deve estar submetido a esse debate, ao cotejo de prioridades e à avaliação constante dos resultados.

Por que a política social no Brasil protege muito mais os idosos do que as crianças? A lógica dos reajustes e pisos automáticos dificulta que se chegue a uma outra alocação desses recursos, de acordo com a vontade dos políticos eleitos hoje, e não num passado em que os desafios eram diferentes.

Já está demonstrado fartamente que a simples garantia —ou mesmo o aumento— de verbas não assegura uma boa política pública. Reservas orçamentárias frequentemente alimentam mais os lobbies bem posicionados do que atacam o problema do cidadão na ponta.

Por isso não há nenhuma surpresa no fato de a governança política brasileira ter entrado numa espiral que combina descontrole fiscal —com aumento contínuo e insustentável de despesas— e péssimos serviços prestados à população.

Para escapar da maldição, que retarda o desenvolvimento do país, cumpre recuperar a centralidade do debate orçamentário na política nacional. Há pouca coisa mais importante na democracia do que estabelecer os níveis e modos da tributação e da despesa feita com o suor e em nome dos cidadãos.

editoriais@grupofolha.com.br

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