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Ele vê todos os meus stories

Ela sabia que, no fundo, ainda estavam juntos

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Gisele não aparentava qualquer dor de amor. Tranquila e maquiadíssima, ela me encontrou para um café na padaria que fica no meio do caminho entre nossas casas. Contou que já estavam separados fazia algumas semanas, mas que ela sabia que, "no fundo", ainda estavam juntos: "Ele vê todos os meus stories".

Era o final da tarde de um domingo de inverno. Eu estava com o casaco que havia usado para dormir e um tênis vermelho imundo. Gisele usava meia-calça cinza transparente com saia curta balonê. Eu não quis achar que ela estava vestida para seu ex-namorado, não caberia a uma progressista pensar isso.

Tivemos que tirar pelo menos umas 20 fotos, testando à exaustão a luz do dia que findava. Com bico para afinar o rosto, com risada de cabecinha jogada para trás e, por fim, com rostos colados e olhares penetrantes, como que insinuando uma trepada lésbica após a minitortinha de mirtilo e o café com leite com desenho de coração. Gisele foi embora como quem sai radiante de um date perfeito.

No mesmo ano, foi sozinha para o Japão. Quando postou dois pratos de ramen e a legenda "Um viva a nós" ou quando fotografou uma quantidade exorbitante de enguias-d’água-doce –"nossas preferidas"–, eu quis achar que ela estava na mesa com novos amigos.

Então Gisele passou no mestrado e ele viu todos os seus stories. Fez o corte de cabelo long bob e ele viu todos os seus stories. Tirou um pequeno tumor benigno do céu da boca e ele viu todos os seus stories. Agradeceu ao SUS ao se vacinar pela primeira vez contra a Covid-19 e ele viu todos os seus stories. Passou o ano-novo em Caraíva, na companhia de Marcos, seu atual namorado, e ele viu todos os seus stories. Adotou o vira-latinha Douglas e ele viu todos os seus stories. Enterrou seu pai e ele viu todos os seus stories. Fez publi de bioestimulador de colágeno facial e ele viu todos os seus stories. Foi tia pela terceira vez e ele viu todos os seus stories. Até que, seis anos depois do término, Gisele marcou seu casamento.

Foi uma festa razoavelmente pequena, ainda que a frase "cerca de duzentas pessoas" não faça sentido seguida da conclusão "só para os mais íntimos". Antes de ser levada, pelo irmão mais velho, ao pequeno altar montado no jardim da casa da família de Marcos, Gisele me chamou no quarto onde estava se trocando: "Ele não está vendo meus stories".

Os músicos já estavam tocando os primeiros acordes de "Pra sonhar", de Marcelo Jeneci, quando Gisele travou completamente: "Ele não está vendo meu stories". Sua mãe e seu irmão vieram buscá-la, emocionados: "Queria que o papai te visse assim". Ela me olhou como se confessasse um segredo: preferia que o ex a visse assim.

Arrastada, sofrendo pela primeira vez desde o término de seu relacionamento, seis anos atrás, Gisele me entregou seu celular e caminhou em direção ao seu porvir amoroso. Belíssima em seu vestido branco com decote ombro a ombro, ela me encarava implorando. Eu conferia compulsivamente seus stories e nada. O juiz de paz do cartório começou seu falatório e nada. Estava chegando perto da hora do sim e nada. Gisele me suplicava, mas eu não podia mentir. "Então, Gisele, você aceita?", o juiz queria saber. Todos queriam saber. Nessa hora, chegou um emoji em resposta à sua foto com bobes na cabeça, encarando seu vestido de noiva: polegar para cima.

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