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Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

Descaso com refugiados em Guarulhos

Por que o país não trata imigrantes com a mesma dignidade concedida a delegações estrangeiras?

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São Paulo

Eis a cena na sala dos chamados inadmitidos (sic) no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos: mais de 650 imigrantes sem autorização para ingressar no país ocupam um local desenhado para atender apenas 20 pessoas; muitas delas dormem sem cobertores em bancos, usam pias dos banheiros para higiene pessoal e são instruídas a ir a "nenhum lugar". Com base nos dados de agosto, este é o cenário atual no maior ponto de entrada do país, na mais rica cidade da nação, durante a administração federal que diz ter retirado o Brasil do ostracismo diplomático.

Desumana, a precariedade no tratamento em Cumbica expõe o descaso do governo federal, na contramão de avanços no início da gestão Lula 3, em que se acelerou o processamento de pedidos de refúgio. É fato que até 15 de julho deste ano Guarulhos recebeu mais do que o dobro do número de solicitantes de refúgio de todo o ano de 2023 —ou seja, de pessoas com fundado temor de perseguição, apátridas ou de vítimas de grave violação de direitos. Cerca de 70% dos pedidos são de cidadãos do Nepal, Vietnã e Índia.

Migrantes dormem no chão do aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (SP) - 10.ago.24/Organização de Resgate de Refugiados Afegãos

O número elevado de pedidos, por si só, não justifica a condição indigna. O Brasil já possui experiência com outros fluxos migratórios, como do Haiti, da Venezuela e da Síria. A precariedade dos refugiados em Cumbica tem dimensões estrutural e jurídica. Estruturalmente, o problema não é de hoje, embora se agrave: a Defensoria Pública da União (DPU) já constata há tempos condições insalubres em Guarulhos: em 2019 houve uma infestação de pulgas, em 2023 um surto de sarna e neste ano um migrante de Gana morreu ali.

O Ministério da Justiça decidiu investir na precarização do status jurídico de solicitantes de refúgio em vez de acelerar a documentação, que pode demorar até um mês. Nova regra federal —ilegal— impede a apreciação de solicitação de refúgio e o ingresso no país por pessoas sem visto. A norma se vale de detalhes burocráticos para burlar a obrigação do Brasil de processar pedidos de refúgio.

Ou o país trata refugiados com a mesma dignidade com que trata delegações estrangeiras em conferências internacionais ou mostrará que a dignidade tem cor, classe e origem.

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