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Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Assassinato de Bruno e Dom simboliza o mais potente luto no Brasil

Desde Chico Mendes e Dorothy Stang, sentimento nunca acaba, apenas se renova na esfera do nosso inconsciente

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O Brasil é um país de eterno luto. E luto, como assevera o filósofo Renato Noguera —ele acabou de lançar "O que É o Luto: Como os Mitos e as Filosofias Entendem a Morte e a Dor da Perda"—, tem a ver não apenas com a morte física, da pessoa, do ente em si. Vai além. O livro é uma reflexão potente que atende as expectativas de brasileiras e brasileiros de modo geral sobre a perda e a dor. Nada mais atual em ano de desgoverno e pandemia.

O autor destaca ainda que o luto pode vir também da perda de emprego, de um namoro ou casamento, de uma amizade ou relação afetiva, de um divórcio, por mais que possamos achar que essa separação seja o modelo necessário para ambas as partes.

Homem em protesto contra o governo de Jair Bolsonaro em frente a faixa com os retratos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, que foram assassinados na Amazônia - Ueslei Marcelino - 15.jun.22/Reuters

Portanto, não é exagero dizer que estamos de luto pelas mortes brutais de Bruno Pereira e Dom Phillips, mas também pelo Brasil. O luto da destruição da Amazônia é um luto que não afeta só o nosso país, mas outras nações —já que a floresta é o pulmão do mundo.

A invasão das terras dos povos indígenas e ofensas a eles, especialmente suas crianças e velhos, aos jovens assassinados pela crueldade da polícia nos grandes centros urbanos, a matança dos animais. Tudo isso gera luto. Nossa saúde mental não suporta mais tanta dor, tanta perda, tanta energia doentia armazenada dentro de nós.

O assassinato de Dom e Bruno me fez reviver um luto que, apesar da distância, ainda sinto de forma latente e agônica: os assassinatos de Chico Mendes e da missionária Dorothy Mae Stang.

O Brasil não tem aprendido com essas dores e com essas perdas.

Chico Mendes foi assassinado há 34 anos, exatamente no dia 22 de dezembro de 1988, quero dizer, sete dias após o seu aniversário e às vésperas do Natal. Nascido Francisco Alves Mendes Filho, em Xapuri, no Acre, teve uma vida política bastante ativa pelos chamados "povos da floresta", chegou a ser vereador, mas sua vida ficou marcada por ser seringueiro, sindicalista, ativista que defendia a preservação da floresta e dos seringueiros nativos.

Embora tenha morrido muito cedo, aos 44 anos, seu ativismo fez com que tivesse reconhecimento internacional, tendo recebido o Global 500, prêmio da Organização das Nações Unidas, além da Medalha de Meio Ambiente da Better World Society, sociedade com grande representação, sediada nos Estados Unidos.

A sua morte representa um luto que ainda não passou nos nossos corações e mentes, sobretudo quando o vemos representado em nome e imagem em parques, escolas e prêmios Brasil afora. A morte de Chico Mendes faz lembrar cenas de um Brasil atual, relegado ao descaso à vida, à falta de humanidade e de cuidado com o outro.

Irmã Dorothy, como era conhecida, não era brasileira, era americana de Dayton, embora tenha se naturalizado aqui, chegando ao nosso país em 1966, inicialmente, pelo Maranhão. Foi covardemente assassinada em Anapu, no estado do Pará, exatamente na Bacia Amazônica, e tinha completado 73 anos.

Veja o quanto não é estranho que esses assassinatos e confrontos entre grileiros, garimpeiros e fazendeiros de má fama se dão no centro do que hoje continua a ser o foco de maior tensão do país, mesma região em que Chico Mendes, Dorothy, Dom e Bruno —para ficar apenas nessas tristes lembranças — padeceram, não por atuarem em atividades ilegais, mas por protegerem a vida e a floresta.

Irmã Dorothy foi assassinada com seis tiros, um deles na cabeça, no dia 12 de fevereiro de 2005, às 7h30 da manhã. Ou seja, seus matadores seguiam seus passos, desde sua residência, que era desguarnecida de qualquer proteção, embora atuasse em uma atividade de alto risco de morrer.

Religiosa ligada à Comissão da Pastoral da Terra, instrumento de ação missionária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, teve uma atuação em prol de uma reforma agrária "justa e consequente" e era contra a exploração de terra na região amazônica. Pouco antes dela, já tinham tombados o padre Josimo e outra irmã, a Adelaide.

Esses são os lutos sem fim do Brasil, que nunca acabam, apenas se renovam na esfera do nosso inconsciente. Sejam na floresta amazônica, sejam em centros urbanizados de concreto e asfalto como São Paulo e Rio de Janeiro. A dor da perda é enorme e nos atinge a todos, que temos cidadania e humanidade no corpo e a pulsar em nosso sangue.

Ainda sobre a irmã Dorothy, ela é hoje lembrada por uma frase de camiseta que muito usava quando de suas atividades religiosas. A frase dizia o seguinte —"a morte da floresta é o fim da nossa vida".

Nada mais preciso e condizente com o que vivemos hoje. Todos estamos morrendo a cada dia —seja por Dom Phillips e Bruno Pereira, seja por meio da queimada e da derrubada desenfreada de nossa mata nativa.

E voltamos a um ensinamento do filosofo Renato Noguera em seu novo livro, que se aplica aqui e agora para a situação que retratamos: "Quem se despede precisa estar representado. Se o corpo estiver ausente do 'adeus', devemos insistir em buscar um caminho para enterrá-lo."

Sigamos altivos e alertas, este é o caminho.

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