Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.
O que esperamos do amor?
O amor é contingencial, mas sua perda é garantida
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O amor romântico vem sendo esculhambado pela psicanálise há mais de um século, o que não nos impediu de continuar amando, sofrendo e dando vexames.
A adorável ilusão de que amamos o outro de forma isenta e altruísta é tão pueril, que já era motivo de deboche por Freud, mesmo ao falar do sacrossanto amor dos pais pelos filhos.
Na realidade, amamos no outro o que queríamos ter/ser ou o que fomos e não somos mais. Amamos, também, que o outro nos ame, ou seja, amamos ser amados. Horrível? Não, apenas humano e, ainda assim, conseguimos fazer coisas sublimes com isso, verdadeiros atos heroicos.
Apesar da tristeza crônica —a qual o sujeito se entrega na crença de que o amor só tem a versão sofrência—, a solidão convicta dos resignados e o descarte de amores líquidos —como diria Bauman— os encontros contemporâneos têm seus encantos.
É injusto e soa nostálgico imaginar que amávamos mais e melhor no passado e que agora as relações são necessariamente cínicas. Antes era melhor?
Para além das denúncias que Bauman já fazia em “Amor líquido” (2003) e que revelam o caráter descartável, narcisista e consumistas das atuais relações, sabemos que a pós-modernidade também imprime alternativas interessantes, antes impensáveis para os amantes.
Os casais pós-modernos podem se formar fora das justificativas das necessidades física, moral e financeira.
No tempo em que a mulher solteira —suposta solitária— não assusta mais, a dependência financeira não justifica a permanência junto ao parceiro/parceira, a exclusividade sexual se mostra ultrapassada e filhos podem ser criados por casais desfeitos ou nunca instituídos, o que sobra, afinal?
Os enganches neuróticos, que tanto sofrimento causam —em troca de uma pitada de prazer inconfesso— são onipresentes, isso é claro. Mas nem só.
Se formar um casal não se trata apenas de um gesto compulsório ou regido por motivações alheias ao desejo, o que esperar do amor?
Para começar, com ou sem amor, a questão continua sendo a mesma: temos uma vida que nos parece suficientemente significativa? Depois de encarar essa resposta, ainda cabe perguntar: queremos compartilhá-la com alguém em especial? Talvez a resposta seja sim e inclua um amor.
Por outro lado, diante de uma vida desinteressante, o próprio amor pode servir para redimensionar o significado de estar vivo, transbordando suas benesses.
No livro mais conhecido do autor uruguaio Mario Benedetti, o amor encontra o lugar precioso que o título sugere: “A Trégua” (1960).
O personagem, ao assumir o laço amoroso e encarar a possibilidade de sair da solidão autoimposta, acaba por reparar as relações estremecidas que tinha com os filhos e consigo mesmo.
Personagem dos mais inexpressivos da literatura ganha o merecido título de herói ao arriscar amar e, necessariamente, perder. Pois, se o amor é contingencial, já sua perda é garantida: ou o afeto acaba ou a pessoa em que o depositamos morre.
A tentativa de manter o objeto amado à pulso, de rivalizar com seus outros interesses, de controlar o afeto fugaz é a receita perfeita para a morte do amor e sua transformação em ódio.
Acreditar que nossa solidão estrutural pode ser aplacada pela presença do amante é outra fantasia que o amor insiste em contrariar.
Em nossa época, o amor teria a vocação de ser apenas a contingente e fugaz trégua na incontornável solidão humana. À mim, soa suficiente bom.
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