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Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

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E se não for uma mãe melhor?

Quanto mais recriminamos os pais que tivemos, mais nos colocamos sob julgamento

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Ao redor dos três anos de idade nos damos conta de que foram nossos pais que nos colocaram no mundo. Aí começa a saga para saber de onde vêm os bebês, cuja finalidade última é descobrir qual desejo que nos engendrou. Os pais costumam se atrapalhar para responder sobre a mecânica do sexo e da reprodução. Mas o embaraço sobre "o que entra no que, para depois sair de onde" serve para despistar o constrangimento diante da pergunta sobre o desejo.

A resposta nenhum pai ou mãe poderá dar a contento, nem para a prole nem para si mesmo. Não podendo fazê-lo, passamos a vida criando mitos sobre esse fato insondável. "Queria muito uma menina/menino", "queria muito ser mãe/pai", "queria ter uma família"... são frases tão opacas e tão insustentáveis quanto quaisquer outras. A menina/menino que se quis não pode ser a que chega, senão seria delírio. Só saberemos se queríamos ser pai/mãe depois de sê-lo, haja vista a impossibilidade de antever a experiência. Família é um conceito amplo no qual cabe quase tudo. Ao final, os filhos, a parentalidade e a família que se obtêm são imprevisíveis.

Atendi uma jovem que estava com dificuldade em se relacionar com seu bebê recém-nascido. Na contramão de qualquer expectativa, ela precisou reconhecer que inconscientemente nunca havia suposto que pudesse ser mãe de um filho lindo e saudável.

A promessa que nos fazemos ao descobrir que os pais são os responsáveis pela chegada dos bebês é de que, assim como eles, também teremos filhos. Essa aspiração se dá por duas motivações. Por amor aos pais, em busca de ser como eles, mas também por inveja, esperando destroná-los.

Acontece que os bebês que sonhamos na infância nem sempre precisam se materializar em carne e osso, podendo muito bem nascer de outros projetos no mundo. Criar e realizar não se restringe à produção de filhos.

Os modelos dos pais —amados ou odiados— rondam nossas expectativas e fantasias quando decidimos seguir-lhes o passo. Demora para admitirmos que pais são pessoas que tiveram filhos, não seres evoluídos por graça da parentalidade. Essa é uma descoberta necessária, mas sofrida, que nos leva à promessa de sermos pais melhores do que eles foram para nós.

Quanto mais recriminamos os cuidadores que tivemos, mais corremos o risco de apostar excessivamente na chance de superá-los. A promessa reparatória que existe em cada parentalidade é uma motivação importante para termos filhos e um peso considerável a ser carregado com a chegada deles.

Logo descobrimos que entre a expectativa e o feito há o abismo da realidade. Até podemos oferecer algo melhor do que nossos pais nos ofereceram e, geralmente, a reflexão de seus erros nos permite alguns ganhos de consciência. Mas podemos acertar onde eles erraram, fazer igual e ainda errar onde eles acertaram. Em geral é um pouco de cada.

Mesmo quando fica patente que se construiu uma relação melhor do que a recebida, ainda assim algo sempre nos escapa. E, a depender do nível de expectativa —que hoje em dia é astronômico—, a sensação de fracasso e culpa pode ser avassaladora. Não apenas porque existe uma diferença brutal entre nossas promessas infantis e a vida como ela é mas também porque vivemos um momento no qual se acredita que a criação dos filhos poderia acontecer sem arestas, sem restos.

O luto pela impossibilidade de realizar o ideal infantil como pai e mãe é constituinte. Mas à essa elaboração necessária se somam as falsas expectativas atuais de parentalidade —positiva, garantida e controlada. Elas dão uma pista de por que hoje pais e mães se sentem tão devastados.

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