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Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Para onde vai dinheiro das emendas parlamentares, que fazem Bolsonaro dançar miudinho?

Crise do Orçamento tem a ver com podridão do governo e é também problema histórico

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Muito se falou de emendas parlamentares nestes dias da novela infame do Orçamento federal. Por que tanto tumulto por causa de um tipo de despesa que não chega a 1,5% do gasto do governo? Para onde vai esse dinheiro? Por que o aumento do valor total das emendas ainda vai manter Jair Bolsonaro com a corda no pescoço?

O comando do Congresso e o governo haviam aprovado um Orçamento em que a despesa superava o que, em tese, é permitido gastar, dado o “teto”. Um motivo do estouro era o aumento da despesa decidida por meio de emendas parlamentares, o que foi possível porque haviam sido subestimados gastos obrigatórios (como benefícios do INSS, por exemplo), resultado de malandragem e inépcia.

Caso Bolsonaro vetasse muita emenda, a retaliação no Congresso seria maior. Depois de dias de intriga, chegou-se a um acordo. Mantém-se parte do dinheiro extra para emendas parlamentares e diminui bem o risco de Bolsonaro e gente do governo serem processados por crime fiscal. O Congresso-centrão e parte do governo reduziram Paulo Guedes a papel ainda mais ridículo.

Uma emenda ao Orçamento é a destinação que um parlamentar, uma comissão, uma bancada estadual ou o relator do Orçamento dão a parte do dinheiro federal. O site Siga do Senado listou 17.825 delas em 2020, das quais 13.764 viram algum dinheiro.

Fora despesas extras com Covid, em 2020 o governo federal gastou R$ 1,5 trilhão. O valor das emendas parlamentares pagas foi de R$ 22 bilhões (o valor das executadas, de obras e serviços concluídos ou em andamento, foi de R$ 35 bilhões). Relativamente, é pouco dinheiro.

Quase 94% da despesa federal é obrigatória: 54% vai para Previdência e benefícios assistenciais, abono salarial, seguro-desemprego. Para salários, cerca de 21%. Etc.

Sobra 6% para a operação de governo (gasto administrativo, bolsa de pesquisa, insumo de hospital, obras etc.). Como os parlamentares avançaram nas emendas, o governo terá de cortar no osso a fim de que tenha dinheiro para funcionar no mínimo básico (haverá talho em obras definidas pelo Executivo, ciência, pesquisa, educação superior etc.). Ainda assim, terá de negociar com o Congresso o destino de algumas emendas. Vai dançar miudinho.

Boa parte do dinheiro das emendas vai para investimento, em geral obras pequenas: estrada, ponte, posto de saúde, casa popular, transporte público, obra contra seca, cadeia, quadra de esporte. De 2017 a 2019, dois terços foram para gastos em saúde. O grosso do resto vai para a Infraestrutura e ministérios que remedeiam a vida no interior pobre (Desenvolvimento Regional, Cidades, Integração, o nome que tenham). O valor médio da emenda paga em 2020 foi de R$ 1,5 milhão, mas metade delas levou menos de R$ 289 mil.

É ruim? Depende da obra. Mas, como se diz faz décadas, o Orçamento acaba picotado. Sobra pouco para fazer obra grande e de relevância “estrutural”.

As emendas parlamentares levam cada vez mais dinheiro por força do Congresso. Os motivos são complexos. A escassez regional de dinheiro para obras pode ser um deles (muito estado faliu), assim como a redução do financiamento privado de campanha eleitoral (parlamentares precisam de mais obras locais para garantir o mandato). Os parlamentares avançam também porque lidam com governos de escassa legitimidade e sob ameaça de deposição (Michel Temer) ou sem projeto civilizado algum, grosseiramente ineptos e sem coalizão política, como o dos Bolsonaro, que precisam ainda fugir da polícia e têm pânico de impeachment.

A crise do Orçamento resulta da degradação avançada da liderança política, agora em fase de horror e colapso, de depressão econômica e de um gasto público formatado de modo inviável e iníquo. Ainda vai longe.​

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