Projeto em SP ensina confeitaria a famílias abaixo da linha da pobreza
Com foco em empreendedorismo, objetivo do curso gratuito é permitir que os alunos consigam ter renda própria
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Aos 45 anos, a dona de casa Fabiana Gonzaga de Oliveira, está perto de realizar seu sonho de se tornar confeiteira —a mesma profissão de sua mãe, que abandonou ela e os irmãos mais de três décadas atrás, quando eles ainda eram crianças.
Hoje, casada e mãe de dois, Fabiana mora no Jardim São Jorge, na região do Butantã, zona oeste de São Paulo, e faz um curso gratuito de panificação e confeitaria promovido pelo projeto ReConquista, da organização social Liga Solidária, em parceria com a empresa Stone Pagamentos, o Instituto Philantropia e o Banco da Providência, no Rio de Janeiro.
Com sorriso largo, a dona de casa foi diagnosticada com Covid-19 em dezembro de 2019 e passou a ter crises de ansiedade. Na época, ela passava por dificuldades financeiras —o marido era motorista de aplicativo, mas, com a queda do movimento na pandemia, devolveu o carro que alugava para trabalhar— e viu nas aulas uma chance de se recuperar
Fabiana já fez de tudo para sobreviver: vendeu bolos, lanches, comida e roupas. Agora, seu plano é abrir seu próprio negócio após concluir o curso.
O ReConquista atende famílias de alta vulnerabilidade, em geral lideradas por mães solo, com renda mensal de até R$ 189.
O curso de panificação e confeitaria tem ênfase no empreendedorismo. Atualmente são 22 alunos —a maioria mulheres—, que aprendem a fazer pães e doces e recebem dicas de negócios, incluindo como lançar os produtos, se comunicar com o cliente e estipular custos e preço para venda. As aulas práticas acontecem numa cozinha-laboratório no Educandário Dom Duarte, administrado pela Liga Solidária.
"Seria muito simples apenas ensinarmos a pessoa a fazer pão, mas não é suficiente para que a pessoa saia do contexto que está inserida. Nosso maior esforço está em provocar essa pessoa para que desenvolva a autonomia e seja a protagonista da sua vida", afirma Rafael Pimentel Silva, coordenador do Programa de Qualificação Profissional da Liga Solidária e gestor do projeto.
Ainda há um módulo voltado ao desenvolvimento humano, que foca as habilidades socioemocionais e os valores como ética, cidadania e solidariedade.
"Muitos trazem relatos fortes de violências, dificuldades econômicas e essas histórias precisavam ser acolhidas. Eles precisavam falar, contar o que vivem sem a característica de um atendimento psicossocial" explica a educadora Fernanda Mithie Lima Ishie, 32, responsável pelas aulas.
Cabeleireiro há 20 anos, Dernivaldo Conceição Neves, 40, trocará o salão de beleza pela cozinha. Morador no Jardim João XXIII (zona oeste da capital paulista), casado e pai de dois filhos, ele enxergou no curso de panificação e confeitaria uma forma de respirar outros ares.
Cansado da profissão, até porque perdeu clientes por causa da pandemia de Covid-19, Dernivaldo deseja se aperfeiçoar e planeja até cursar faculdade de gastronomia. "Esse curso foi um milagre. Tem pessoas que só culpam o governo e não correm atrás dos seus objetivos, que é o importante", afirma.
Claudete dos Santos do Nascimento Rufino,43, é mãe solo. Tem um filho com 17 anos e cria outro jovem da mesma idade. Ao ser demitida da empresa onde atuava como cozinheira industrial, decidiu cursar técnico em gastronomia.
Trabalhou mais de dois anos em outro local, mas foi dispensada após ter descoberto uma hérnia de disco na coluna. Com o objetivo de estimular o filho a estudar para entrar no curso de desenvolvimento de sistemas na Etec (Escola Técnica Estadual), a cozinheira fez uma aposta com o jovem.
"Adolescente adora desafio. Eu falei: mamãe é velha e não tem tempo pra nada. Vamos fazer uma aposta? Se eu passar, você passa. Eu comecei a ajudá-lo e fomos juntos fazer a prova. Ele está no segundo ano de desenvolvimento de sistemas e eu terminei técnico em nutrição agora em junho." Pouco tempo depois, Claudete iniciou o curso de panificação e confeitaria.
"Foi uma luz no fim do túnel, porque a minha vida sempre foi trabalhar em cozinha e conhecimento nunca ocupa espaço. Cada coisa que aprendo fico muito feliz. Na pandemia, tentei fazer umas coisas para vender, até bolos de pote, mas me faltou a vivência, a técnica e aqui estou aprendendo", afirma ela. "A maior alegria foi confeitar um bolo. Voltei a sonhar. Não sei se vai dar certo, mas eu quero abrir meu negócio".
"É gratificante ver a evolução dos participantes. Tem pessoas aqui que quebravam o ovo fora da frigideira. Semana passada nós fizemos um bolo red velvet (veludo vermelho) e eles choraram de emoção. Disseram que viam o bolo na vitrine e achavam impossível fazê-lo", conta Patrícia Santana Santos, 44, uma das professoras.
O curso terminará no final deste mês. Após formados, os novos empreendedores receberão um kit no valor de R$ 1.300 com equipamentos, materiais e insumos para começarem o negócio. Ao longo de um ano, terão também uma mentoria individualizada.
Segundo Silva, há a expectativa de abrir uma nova turma em 2022. Os candidatos deverão ter a partir de 18 anos e um perfil parecido com o exigido pelo antigo Bolsa Família. Por enquanto, as aulas serão voltadas aos moradores do distrito de Raposo Tavares, na região do Butantã.
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