Projeto do marco temporal tem brecha para garimpo, estradas e hidrelétricas em terras indígenas
Proposta deve ser votada na Câmara nesta terça (30) em mais uma derrota à política ambiental do governo Lula
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A Câmara dos Deputados pode votar nesta terça (30) o projeto de lei do marco temporal, ampliando a série de derrotas da política ambiental que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sofre no Congresso.
Além de instituir a tese do marco, o texto da proposta, se aprovado, cria dispositivos que flexibilizam a exploração de recursos naturais e a realização de empreendimentos dentro de terras indígenas.
Ambientalistas e o movimento indígena criticam o projeto e veem brechas para permitir garimpo, atividade agropecuária, abertura de rodovias, linhas de transmissão de energia ou instalação de hidrelétricas, além de contratos com a iniciativa privada e não indígena para empreendimentos.
Entidades do setor também entendem que a proposta dificulta o processo de demarcação dos territórios, esvazia a consulta aos indígenas e diminui os instrumentos de proteção a indígenas isolados.
Durante sua participação no Acampamento Terra Livre deste ano, ocasião em que assinou a demarcação de seis novas terras indígenas, Lula também ergueu uma faixa contra o marco.
Como mostrou a Folha, o projeto de lei do marco temporal avançou como uma estratégia do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para se antecipar ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre este tema.
Entenda o marco temporal
A tese
O marco temporal determina que a demarcação dos territórios indígenas deve respeitar a área ocupada pelos povos na promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.
A crítica
Os movimentos indígenas discordam da tese e afirmam que, em 1988, seus territórios já haviam sido alvos de séculos de violência e destruição de aldeias; portanto, entendem que as terras que são de direito dos povos não devem ser balizadas por uma data.
O STF
O Supremo pautou para 7 de junho a retomada do julgamento que vai decidir se a tese é válida ou não. Até agora, o ministro e relator Edson Fachin votou contra o marco. O ministro Kassio Nunes Marques, a favor.
O projeto de lei
Paralelamente, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que institui o marco temporal. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), tenta aprovar o texto antes do julgamento do STF.
A tese do marco, defendida pela Frente Parlamentar da Agropecuária, institui que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Os indígenas refutam a ideia e argumentam que, pela Constituição, lhes é de direito seus territórios originais, não restritos a uma determinada data.
Lira e a bancada ruralista tentam avançar com a proposta via Legislativo antes do julgamento no Supremo, marcado para junho. Na Corte, a tendência é que a tese seja refutada.
A urgência ao projeto de lei do marco temporal foi aprovada na última quarta (24), no mesmo dia em que o Congresso impôs derrotas à política ambiental das ministras Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Marina Silva (Meio Ambiente).
Na ocasião, parlamentares avançaram com a medida provisória que desidrata as duas pastas e com o projeto de lei que afrouxa a proteção à Mata Atlântica e amplia a anistia por desmatamento, além do marco temporal.
A urgência ao projeto do marco foi aprovada com facilidade por Lira, por 324 votos contra 131. O governo liberou sua bancada —ou seja, não orientou como a base deveria se posicionar.
Lideranças indígenas cobram que Lula se posicione e atue mais fortemente para evitar que a pauta avance. Também prometem protestos em Brasília e em outras cidades contra a proposta.
A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e o ISA (Instituto Socioambiental) publicaram notas técnicas elencando uma série de pontos críticos do projeto.
'USO E GESTÃO DAS TERRAS INDÍGENAS'
O texto do marco temporal, originalmente, não tratava da tese, mas sim transferia para o Poder Legislativo a prerrogativa de demarcação dos territórios.
A ele foram apensadas (juntadas) propostas que incluem, além do marco, a possibilidade de realização de empreendimentos e exploração de recursos naturais das terras. A versão atual, que ainda pode ser alterada, cria um capítulo sobre "uso e gestão das terras indígenas".
Nele, o Congresso poderá autorizar a exploração de "recursos hídricos e potenciais energéticos", "pesquisa e lavra das riquezas minerais", garimpo desde que "obtida a permissão da lavra garimpeira" e "instalação em terras indígenas de equipamentos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos".
A proposta permite ainda que esses empreendimentos sejam "implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente". E prevê que, para atividades econômicas, "inclusive agrossilvipastoris", será "admitida a cooperação e contratação de terceiros não indígenas".
Procurado, o relator do texto, Arthur Maia (União Brasil-BA), não respondeu.
Segundo o entendimento da Apib, o projeto "também autoriza qualquer pessoa a questionar procedimentos demarcatórios em todas as fases do processo (inclusive os territórios já homologados), flexibiliza a política indigenista do não contato com os povos indígenas em situação de isolamento voluntário e reformula conceitos constitucionais da política indigenista".
A nota técnica da articulação é assinada pelos advogados Mauricio Terena e Thiago Scavuzzi de Mendonça.
Já o ISA diz que a proposta é "uma das mais graves ameaças aos povos indígenas do Brasil" e "poderá inviabilizar demarcações de terras indígenas".
O instituto elenca sete principais problemas do texto, inclusive a instituição do marco temporal. A nota técnica é assinada por Juliana de Paula Batista, Mauricio Guetta e Márcio Santilli, ex-presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
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