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Marcelo Rede

O coach, a teologia do sucesso e as eleições

A teologia particular de Marçal esvazia qualquer intenção de salvação espiritual

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Marcelo Rede

É doutor pela Universidade de Paris 1-Panthéon-Sorbonne e professor de história antiga da USP

Antes de se lançar na política, Pablo Marçal tornou-se popular nas redes sociais e ficou milionário vendendo uma fórmula de sucesso e riqueza. Frequentemente, suas falas adotam um tom messiânico. Nas redes sociais, ele já foi comparado a pastores evangélicos e seu empreendimento foi considerado como uma espécie de igreja.

De fato, Marçal aproxima-se da teologia da prosperidade dos movimentos pentecostais, que valorizam o êxito material como uma bênção divina na vida do fiel. Isso tem beneficiado sua candidatura, que cresce junto ao eleitor religioso, conforme apontou o Datafolha na semana passada. Mas essa proximidade com o neopentecostalismo é apenas superficial.

O foco de Marçal é bem diferente dos cultos evangélicos que estimulam o empreendedorismo. Sua abordagem utiliza elementos da valorização protestante do sucesso material e se afasta da ideia de que a pobreza poderia ser um exemplo de vida dedicada a Deus. Mas, ao mesmo tempo, é uma abordagem antirreligiosa.

Candidato a prefeito de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB) faz caminhada na favela do Jaguaré, na zona oeste da cidade - Folhapress

Para o coach, o vínculo a uma religião e, sobretudo, a uma igreja, é um estorvo que prende a pessoa às amarras morais, impedindo seu crescimento. Daí as reservas de Marçal em relação às religiões institucionais. Para ele, a relação é estabelecida diretamente entre Jesus e o indivíduo.

Marçal propõe uma teologia sem a religiosidade tradicional, sem templos nem igrejas: "a igreja não tem quatro paredes, a igreja tem duas pernas. Eu e você somos igreja", escreveu ele. A visão de Marçal é a de uma nova religião profana. Embora se apresente como cristão, ele sempre repete que o "cristianismo não é uma religião, mas um lifestyle (estilo de vida)".

Juntamente com Eduardo Reis, Marçal dedicou um livro à Bíblia. Interessantemente, o título é "A Bíblia que Você Não Leu". É como se os autores pudessem revelar um código secreto que ficou adormecido no texto sagrado por 2.000 anos, sem que ninguém tivesse percebido. Na capa, há o aviso: "Proibido para religiosos". É um alerta coerente: Marçal quer vender uma mensagem que nenhuma religião foi capaz de entregar. Ou pior, que as religiões esconderam de seus fiéis.

Nesse livro mal escrito, repleto de erros de português, e em suas palestras, o uso que Marçal faz das narrativas bíblicas é cheio de imprecisões e afirmações duvidosas e bombásticas, como tratar Abraão e Davi de "canalhas". Mas o que importa é a sua visão de que a Bíblia pode servir de alicerce para o sucesso pessoal, afinal "Jesus foi o maior coach que já existiu".

A teologia particular de Marçal esvazia qualquer intenção de salvação espiritual. Ele prefere pregar uma realização material aqui e agora. Não há alma a ser salva no além. Ao mesmo tempo, no seu universo, o social praticamente só existe como um obstáculo, que impede o indivíduo de desabrochar.

Não há, nessa perspectiva, uma comunidade religiosa ou um projeto de sociedade, diferentemente de uma característica do cristianismo desde seus primórdios. Existe apenas o indivíduo. Ou ele é um fracassado ou ele pode ser um vitorioso. Para vencer, basta seguir os ensinamentos do novo líder.

O pensamento de Pablo Marçal é mais uma variante do discurso antipolítico, do eu sozinho contra o sistema corrompido. É um paradoxo preocupante para quem pretende governar a maior cidade do país.

Mais do que ensinar a ser rico no nível individual, um prefeito terá de enfrentar as carências no nível coletivo. Para a população menos favorecida, a cidade de São Paulo ainda deve muito em termos de saúde, educação, transporte e cidadania em geral. Para responder a esses desafios, são necessárias propostas concretas, vontade política e uma opção pelos que mais necessitam. Palestras vocacionais e pregação do sucesso não serão suficientes.

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