Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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Escolha sua Bíblia

Texto aprovado na Câmara é exemplo de fundamentalismo

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Já vi leis inconsequentes, mas poucas como o PL 4606/19, que acaba de ser aprovado na Câmara e segue para o Senado. O diploma, de autoria do Pastor Sargento Isidório, tem um único artigo, que veda "qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada".

Fiéis evangélicos oram em um culto com os braços erguidos, alguns segurando bíblias
Fiéis evangélicos oram em um culto com os braços erguidos, alguns segurando bíblias - J F por Pixabay


O primeiro sentido em que a proposta é inconsequente é bem literal. O texto não prevê nenhuma sanção para quem infringir a norma, de modo que, em termos práticos, tanto faz ela existir ou não. E o autor não determinou nenhuma pena porque fazê-lo aumentaria em muito as chances de o STF declarar a lei inconstitucional.

O segundo sentido em que a regra se mostra inconsequente é o figurado: leviano. O autor, como se depreende da leitura da justificativa do projeto, não ignora que existem muitas Bíblias. Ele próprio lembra que a Bíblia católica tem sete livros a mais do que a protestante. E, especialmente quando entramos no Antigo Testamento, as coisas tendem a ficar bem confusas. Temos, além do original hebraico, o Tanakh, duas traduções canônicas, a Vulgata latina e Septuaginta grega, e uma espécie de paráfrase em aramaico, o Targum. Some-se a isso o fato de que existem diferentes manuscritos de cada um deles.

O resultado, quando comparamos tudo, é essencialmente um mosaico de "alterações, edições e adições". O autor não ousou apontar qual é a versão que vale.

Num ponto, porém, o Pastor Sargento acerta. As vertentes mais dogmáticas das religiões cristãs têm motivos para temer as boas edições da Bíblia. Karen Armstrong mostra que, muito mais do que o ateísmo ou o darwinismo, o que incomodou os religiosos do fim do século 19 e do início do 20 foi o advento da alta crítica, um ramo da teologia que estudava a Bíblia e a vida de Cristo não como milagres, mas como fenômenos literários e históricos. A reação à alta crítica foi justamente o fundamentalismo, do qual o Pastor Sargento parece ser um exemplar típico.

helio@uol.com.br

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