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Cada vez mais seco, rio Madeira sofre com volta de dragas gigantes do garimpo 15 dias após operação

Em 100 km de rio, mais de 100 embarcações operam na mineração ilegal ou estão em reconstrução, num momento em que nível da água é inferior a 1 metro

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Humaitá (AM)

O nível do rio Madeira, na altura de Porto Velho, segue caindo de uma forma nunca registrada. O boletim do SGB (Serviço Geológico do Brasil) da última terça-feira (10) mostra que o nível chegou a 79 cm. Com 1,02 m, uma semana antes, já era a menor cota dos últimos 57 anos.

Ribeirinhos que vivem da pesca e da agricultura familiar se viram diante de imensos bancos de areia. Quem está na margem do Madeira desde sempre considera que a situação é decorrência de uma série de fatores, incluindo a falta de chuvas. Outro problema é o garimpo ostensivo por dragas que transitam no principal afluente do rio Amazonas.

Banco de areia formado por causa da seca do rio Madeira em ponto próximo a Porto Velho - Folhapress

Essas estruturas arcaicas remexem o leito do rio atrás de ouro. A atividade ilegal integra a paisagem do Madeira há décadas, e dragas gigantes —dotadas de equipamentos para sucção e trituração de pedras e barrancos— provocam uma alteração agressiva das bases do curso d’água, especialmente no período de seca.

A Folha esteve na região de Humaitá (AM), a 200 km de Porto Velho, e percorreu um trecho de 100 km do rio Madeira, do porto da cidade até as proximidades do lago Santo Antônio.

No percurso de três horas, a reportagem constatou a operação de 25 dragas de grande porte, dotadas com hospedagem e ar-condicionado na parte superior, motores hidráulicos, comandos automatizados e uso ostensivo de mercúrio.

Somadas a dragas de pequeno porte, pertencentes a moradores de comunidades ribeirinhas e conhecidas como balsas, a reportagem contou 104 estruturas de garimpo ao longo do trecho percorrido.

Parte expressiva das dragas menores estava em reconstrução, ainda inoperante.

A atuação de dragas no rio Madeira, no pior momento já registrado numa estiagem na região, ocorre apenas 15 dias depois de uma operação da PF (Polícia Federal) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para destruição das estruturas usadas no garimpo ilegal.

A operação destruiu 459 dragas, segundo um balanço atualizado em 26 de agosto pela superintendência da PF no Amazonas.

A ação dos policiais e agentes do Ibama levou a um violento protesto de garimpeiros em Humaitá, em 21 de agosto. Eles usaram rojões para tentar atacar agentes e buscaram invadir prédios públicos.

Não é a primeira vez que isso ocorre, numa região onde o garimpo ilegal de ouro está incorporado à rotina em comunidades ao longo do rio Madeira e onde grupos criminosos exploram a atividade por meio de dragas maiores, mais potentes e mais equipadas.

Em 2017, em retaliação a uma operação contra garimpo, homens armados invadiram e queimaram escritórios do Ibama, do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em Humaitá.

Dessa vez, garimpeiros que atuam em balsas afirmam que a operação policial poupou dragas de maior porte. Segundo eles, operadores desses equipamentos usaram como estratégia a permanência no ponto do rio na altura da cidade. Quinze dias depois, essas estruturas seguem com o garimpo intensivo no leito do rio Madeira.

A superintendência da PF no Amazonas não respondeu se essas dragas em Humaitá acabaram poupadas, nem se tem conhecimento da ação contínua das embarcações no garimpo após a operação feita em agosto.

O superintendente do Ibama no estado, Joel Araújo, disse que as operações devem ter continuidade e que os órgãos públicos federais tratam o problema de forma estratégica e de acordo com suas capacidades.

"A quantidade de dragas de garimpo no rio Madeira é tão grande que não seria possível, em uma única operação, acabar com a prática ilícita", afirmou Araújo. "A operação Prensa [nome da ação desencadeada em agosto] atuou de forma muito intensa sobre o problema, destruindo 500 dragas e balsas."

Segundo o superintendente, é comum que proprietários dessas estruturas busquem canais dos rios e a proximidade das cidades para tentarem escapar da fiscalização, "pois sabem da cautela dos órgãos em relação às consequências sociais da destruição de dragas em plena orla das cidades".

A primeira fila de dragas de maior porte opera a uma hora de barco de Humaitá, rio adentro. O primeiro agrupamento visto pela reportagem era composto por três dragas. O seguinte, a poucos minutos, já era uma fileira de oito estruturas, além de pequenas balsas mais distantes.

A lógica da atuação do garimpo no leito do rio repete o que se vê em garimpos em terra: um alerta sobre existência de ouro num dado ponto faz com que embarcações se agrupem para remexer o fundo do rio. Esse movimento é chamado de "fofoca" pelos garimpeiros.

As dragas mais potentes custam mais de R$ 1 milhão, segundo garimpeiros que conhecem a realidade desse mercado ilegal. Os donos das estruturas criminosas delegam a gestão das embarcações a outras pessoas, assim como a operação de garimpagem.

Já as balsas de menor porte estão associadas, em grande parte, a comunidades ao longo do rio Madeira. O garimpo é visto como um complemento à renda da agricultura familiar, do extrativismo ou da pesca. Uma draga pequena, cujo deslocamento precisa de um rebocador, custa entre R$ 40 mil e R$ 70 mil, segundo garimpeiros da região.

Com a saída das equipes de fiscalização e repressão ao garimpo ilegal, balsas são reconstruídas na beira do rio, a partir do que sobrou após serem queimadas ou afundadas.

É comum que garimpeiros migrem de vez para a agricultura familiar, especialmente para o cultivo de banana na região de Porto Velho e Humaitá, após terem balsas destruídas em ações de fiscalização. As duas cidades são conectadas pela BR-319, cujo traçado corre em paralelo ao rio Madeira.

As reportagens da série Mudanças Climáticas na Amazônia contam com apoio da Rainforest Foundation Norway

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