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Marcelo Rede

Jornais mudam de formato. E a Bíblia também mudou

A passagem do formato de rolo para o códex foi a maior mudança da Bíblia como um artefato de comunicação

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Marcelo Rede

É doutor pela Universidade de Paris 1-Panthéon-Sorbonne e professor de história antiga da USP

Nesta semana, os leitores da Folha encontraram nas bancas um jornal em tamanho menor, o berliner. A grande maioria apreciou a mudança. Uma minoria torceu o nariz. É compreensível: as alterações do formato físico dos escritos que lemos causam um estranhamento, pois modificam a relação física entre o texto, nosso corpo e nossos sentidos, sobretudo o tato e a visão.

Mas essas transformações são comuns na história. Dos primeiros tabletes cuneiformes moldados em argila na Suméria aos atuais "tablets" digitais fabricados na China, a humanidade conheceu diversos suportes materiais para se escrever e ler.

Mesmo os textos considerados sagrados adotaram formatos diferentes ao longo dos séculos. A imagem que temos da Bíblia é a de um livro, ou seja, um volume de folhas retangulares, encadernadas e dotadas de uma capa. Mas nem sempre foi assim.

A imagem que temos da Bíblia é a de um livro, mas nem sempre foi assim - stock.adobe.com

Hoje, um cristão teria dificuldades para reconhecer os exemplares mais antigos dos manuscritos que formaram a Bíblia, pois eles se apresentavam na forma de rolos. Um judeu que frequenta a sinagoga já presenciou a exibição dos rolos da Torah (o Pentateuco), mas normalmente lê a Bíblia hebraica no formato habitual do livro encadernado.

A versão primitiva do livro, que os especialistas chamam de códex, só se consolidou nos primeiros séculos da era cristã. A passagem do formato de rolo para o códex foi a maior mudança da Bíblia como um artefato de comunicação.

Muito antes do códex, na época dos reinos de Israel e Judá, entre os séculos 10 e 6 a.C., a Bíblia ainda não existia. Mas é possível que houvesse alguns dos escritos que depois foram integrados à Bíblia hebraica. Diferentemente dos tabletes de argila da Mesopotâmia ou dos papiros egípcios, o mais provável é que esses textos fossem escritos em pergaminhos. Nada sobreviveu deles.

Materialmente falando, nós temos uma ideia mais clara de como eram esses textos alguns séculos mais tarde, com os famosos manuscritos do Mar Morto. A comunidade de Qumran, que viveu no deserto da Judeia entre os séculos 3 a.C. e 1 d.C., copiava e recopiava praticamente todos os textos da futura Bíblia. A quase totalidade dos seus manuscritos era composta de rolos de pergaminho, que foram encontrados enrolados dentro de jarros de cerâmica.

Escrever em rolos era a prática mais comum no Levante, a região onde hoje fica Israel e a Palestina, e também no mundo grego e romano. Dois materiais foram os mais usados: os papiros eram feitos de fibra vegetal, enquanto os pergaminhos eram fabricados de pele animal.

Muitos dos primeiros manuscritos cristãos foram escritos em rolos, mas o códex ganhou cada vez mais importância e o formato de livro acabou prevalecendo. É provável que essa passagem tenha a ver com a própria formação do cânone cristão, ou seja, de um conjunto de textos considerados oficiais e divinamente inspirados. O mesmo processo se repetiu na formação da Bíblia hebraica quando comunidades judaicas passaram a adotar o códex para suas escrituras sagradas.

É a partir daí que se pode dizer que a Bíblia se tornou realmente um livro. Foi um movimento gradual de mudança. Aliás, vale notar que a palavra Bíblia vem do grego antigo. Os gregos chamaram de Biblos a cidade fenícia de Gubla, situada na costa levantina (atual Líbano), porque era um porto importante de comercialização do papiro para a fabricação dos rolos. Somente mais tarde ocorreu a associação do termo com o que chamamos de livro.

Além disso, "ta biblia" é um termo plural: não significa "o rolo" (ou "o livro"), mas "os rolos" (ou "os livros"). Isso nos lembra de que, na origem, não havia a Bíblia como um livro único, mas vários textos no formato de rolos.

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