Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Textos da Suméria revelam a humanidade na alvorada da história

Muitos registros tratam do dia a dia das pessoas comuns, com anseios e preocupações surpreendentemente atuais

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Escavações arqueológicas na Mesopotâmia trouxeram à luz centenas de milhares de textos em escrita cuneiforme. Muitos são de interesse apenas para especialistas: registros de impostos, listas de mercadorias, correspondência diplomática etc. Mas muitos outros tratam do dia a dia das pessoas comuns: fascinantes, eles nos revelam a humanidade na alvorada da história, com anseios e preocupações surpreendentemente atuais.

Entre os textos escavados na Suméria (sul do Iraque atual), onde a escrita foi inventada, estão o primeiro relato de delinquência juvenil, a primeira canção de amor, a primeira versão escrita do dilúvio universal, a primeira receita de cerveja, as primeiras fábulas com animais, o primeiro uso da palavra "humanidade" (namlulu, em sumério). O meu favorito, que deve ter sido um "best-seller" na Suméria, pois foram encontradas mais de 20 cópias, fala da vida de um estudante por volta de 2.500 a.C..

Tabuleta de argila com escrita cuneiforme exibida no Museu Nacional do Irã, em Teerã
Tabuleta de argila com escrita cuneiforme exibida no Museu Nacional do Irã, em Teerã - Behrouz Mehri - 1º.mai.04/AFP

O sistema educacional era privado, acessível apenas a quem podia pagar. Cada escola era dirigida por um professor com o auxílio de um assistente, que caligrafava textos para os alunos copiarem. Também havia profissionais especializados: o "encarregado de desenho", o "encarregado de sumério", e até o "encarregado de chicote"!

O currículo era centrado na leitura e na escrita, mas também incluía línguas estrangeiras e matemática, claro. Inicialmente, o objetivo era apenas profissional: formar escribas para a administração do templo e do palácio. Mas ao longo do tempo essas escolas evoluíram para se tornarem centros de produção de conhecimento e de criação literária.

Mal pagos (algumas coisas não mudaram muito em milênios), professores e assistentes viviam famintos e mal-humorados, e descontavam na pedagogia do chicote. O herói do nosso relato suplica a seu pai: "convida o professor a comer na nossa casa, senta-o no lugar de honra à mesa, dá-lhe um bom jantar com vinho, e veste-o com uma túnica nova, pois eu não aguento mais apanhar".

Feliz com a refeição e os presentes, o mestre aprova o estudante: "Jovem, já que atentaste para meus ensinamentos, estou certo de que terás carreira brilhante, serás exemplo para teus colegas e braço direito de teus chefes". É o primeiro registro de suborno na história. E no contexto escolar!

Ler línguas antigas em cuneiforme é tarefa difícil, reservada a poucos especialistas. Por isso, apenas uma pequena fração dos textos da Mesopotâmia foi lida até hoje. Mas um algoritmo de tradução criado no início do ano vai colocar joias como esta ao alcance de todos. Falarei sobre essa inteligência artificial na semana que vem.

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