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Voluntárias acolhem mães e pais enlutados em projeto gratuito de terapia

Ação oferece acolhimento gratuito online a todo tipo de perda parental, de gravidez interrompida a suicídio

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Uberlândia (MG)

Em novembro de 2019, a pedagoga Miriam Rowlands perdeu sua filha Aline, de 18 anos, que sucumbiu a uma crise de lúpus, doença autoimune que atacou vários órgãos da jovem, incluindo o cérebro. Mãe de seis filhos, Aline foi a terceira perda parental de Rowlands. Luiz Fernando morreu aos três anos, em 1987, após um transplante de coração e Evangeline faleceu aos 22, em 2003, num acidente de moto.

Com a morte de Aline, Rowlands sucumbiu às três perdas. Em 2020, ao contrair Covid, foi internada no mesmo leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) que sua filha havia falecido na cidade de Valinhos, no interior de São Paulo. Rowlands sobreviveu à Covid, mas a dor do luto ficou insuportável.

"Eu vivi uma depressão aguda pela morte dos três, não consegui prosseguir". Uma psicóloga recomendou em 2020 que ela procurasse o grupo Lado a Lado para pais enlutados, do qual participa desde então.

"Espero ansiosamente todos meses pelas reuniões, pois é quando posso expressar tudo o que sinto e encontrar novos jeitos de me manter viva", conta a pedagoga.

Grupo Lado a Lado, criado em 2017 pela psicóloga Juliana Matias, realiza reuniões mensais - Karime Xavier / Folhapress

O luto de genitores reflete a morte fora de lugar, e representa a perda de projetos futuros, das idealizações depositadas no descendente e o vazio insubstituível que ele ocupa no imaginário dos pais.

Para auxiliar na intervenção psicológica adequada a esses casos, especialmente quanto à importância da fala para dar um sentido a essa perda, o grupo Lado a Lado de apoio a pais enlutados foi criado pela psicóloga Juliana Matias, na cidade de Santos, no litoral paulista, em 2017.

Ele dá acolhimento gratuito a todo tipo de perda parental —desde gravidez interrompida até suicídio.

"A ideia não é superar, e sim que esses pais conheçam e convivam com outros que estejam passando pela mesma dor, e por eles sejam ouvidos para preencher o vazio da ausência física", explica Matias, especialista em luto e rompimento de vínculos.

"Eu me tornei um zumbi, só vivia na cama ou andava sem rumo pelas ruas. A vida tinha acabado para mim". Essa é a lembrança da assistente de departamento pessoal Creusa Botelho, 56, de Santos, sobre os dias que sucederam a morte de seu filho Bruno Botelho Vieira, assassinado em 2019 pelo namorado de uma mulher com quem ele também se relacionava.

Semanas após o falecimento de Bruno, uma amiga indicou o grupo Lado a Lado. "Relutei em participar, mas fui e me senti bem ao encontrar outros pais que sentiam uma dor parecida e, principalmente, me ouviam quando eu contava sobre meu filho, pois passado um mês da morte, as pessoas não queriam mais falar desse assunto", lembra.

"Perdas parentais suscitam sentimentos, fatos, cenas, sensações corporais e inúmeras percepções íntimas, que representam o processo de luto", aponta a psicóloga Ludmylla Zacarias, que coordena o grupo Lado a Lado a partir de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. "Os pais querem lembrar para existir. E, nesses casos, existir é resistir".

Maria Isabel Oliveira da Cruz, 61 (ao centro), com colegas que participam de terapia do grupo Lado a Lado, para quem passa por processo de luto - Karime Xavier/Folhapress

Após 13 anos no luto, Maria Isabel da Cruz, 61 anos, já passou por todas as fases. "E há pessoas que me acham chata, pois não conseguem se colocar no meu lugar", diz sobre a morte do filho Bruno Oliveira da Cruz, morto em 2011, aos 20 anos, num acidente de carro em que ele era passageiro. "O Lado a Lado se dispõe a me ouvir em tudo, sem questionar nada, e a partir dessa escuta fiquei mais forte".

Para Patrícia Galvão, psicoterapeuta de perdas e luto, os momentos difíceis de dor e saudade não acabam com o luto integrado que o Lado a Lado propõe. "O que muda é a forma de lidar com as oscilações emocionais, e entender que elas fazem parte do processo".

Maria Cristina Miguel, que perdeu a única filha, Mariana, aos 23 anos, cita que há momentos do luto que são muito difíceis. "Superar e aceitar a gente nunca vai conseguir, mas é possível ressignificar a ausência dos filhos em um tipo de presença dentro de nós", diz a mãe, que perdeu a filha vítima de suicídio.

Estar numa plataforma de pertencimento, sem receber críticas e cobranças sobre o tipo de luto sentido, e conhecer a experiência de outros pais e mães, ajuda a aceitar a culpa e a dor incomparáveis.

Para a psicóloga Natália Dantas, o luto é uma experiência universal, "mas a forma com que cada um sente e expressa é sempre única, pois envolve sonhos e idealizações que os pais depositam no seu descendente".

Raphael, filho único de Nanci de Abreu, morreu aos 28 anos, num acidente de moto, em 2017. "Foi o pior momento de minha vida. Uma dor física, dilacerante", lembra a mãe. Um mês depois ela entrou no grupo Lado a Lado.

"Estou até hoje nessa plataforma, pois é um lugar seguro para extravasar a tristeza, sem censura. Ali ninguém fala pra gente não chorar", diz. Essa escuta, sem julgamentos, Nanci considera fundamental. "Nossos filhos levam os melhores momentos de nossas vidas, e o Lado a Lado nos dá voz e ouvidos para contar as alegrias perdidas e dividir essas dores únicas com outros pais que sofrem como nós".

Apoio ao luto

O grupo Lado a Lado de acolhimento a pais enlutados é uma plataforma online de participação gratuita, com encontros mensais, e sem qualquer vínculo entre as partes. Os participantes têm em comum a morte de seus filhos e a busca por reconstruir suas próprias vidas.

Ativo desde 2017, hoje o Lado a Lado é coordenado por seis voluntárias, sendo quatro psicólogas com especialização em luto, perdas diversas e cuidados paliativos, além de uma músico terapeuta e uma arte terapeuta. Elas desempenham vínculos de apoio na prevenção de complicações do luto.

Para participar dos encontros de uma hora e meia, que acontecem no último sábado do mês, pela manhã, o contato pode ser feito através do instagram: @lado_a_lado_grupo

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