Homem foi preso no Ceará por crime militar e não por criticar compra de respiradores
Diferentemente do que afirma vídeo, detenção de cabo não tem relação com a pandemia da Covid-19
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São enganosas as postagens nas redes sociais que alegam que um cidadão de Cascavel, no Ceará, foi preso por criticar o governador do estado, Camilo Santana (PT), sobre a compra de respiradores artificiais. O conteúdo é acompanhado de um vídeo mostrando a entrega de um mandado de prisão preventiva, sem indicar os envolvidos ou a localidade. Na legenda, aparece uma inscrição irônica: “Governo democrático é outra coisa”.
As publicações, verificadas pelo Comprova, enganam ao sugerir que o caso tem relação com a pandemia da Covid-19 e que teria ocorrido com um civil, quando, na verdade, mostram o anúncio de prisão preventiva do policial militar Paulo José Monteiro da Cunha, conhecido como cabo Monteiro. Ele responde a uma denúncia de crime militar na Justiça do Ceará, com base nos artigos 160 e 166 do Código Penal Militar —que tipificam como crime o desrespeito a superior diante de outro militar e críticas públicas a atos de superiores ou a qualquer resolução do governo.
A gravação não foi feita em Cascavel, mas em Fortaleza, onde mora Monteiro, no dia 17 de junho. Não foi possível identificar a autoria ou a publicação original, mas fica claro que as imagens foram filmadas de dentro da casa. Além disso, a denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual do Ceará faz referência a sete vídeos gravados e publicados pelo cabo entre março e abril deste ano, e nenhum deles aborda a compra de respiradores.
A decisão que decretou a prisão preventiva foi expedida em 12 de junho. De acordo com o documento, existem “indícios de materialidade e provas da autoria de crimes militares” pelo Cabo Monteiro. Para a Justiça, a alegação de liberdade de expressão não caberia no caso porque “o representado transborda em sua conduta, indo além da garantia constitucional, para, sob seu manto, proferir ofensas e tecer comentários pejorativos, que se revelam, em análise superficial exigida no presente momento, perfeitamente adequadas a tipos penais”.
A Justiça decidiu que o cabo deveria ficar em prisão domiciliar com monitoramento eletrônico e não poderia postar conteúdos sobre temas e pessoas ligados ao meio militar e da área de segurança pública em redes sociais e aplicativos de mensagem. Em caso de descumprimento, o PM poderá ser encaminhado para um presídio.
Procurado pelo Comprova, o advogado de defesa de Monteiro, Carlos Bezerra Neto, afirmou que a prisão é “abusiva” e que já entrou com pedido de revogação na Justiça Militar. Para o advogado, não existem elementos suficientes que justifiquem a medida.
O Comprova investigou a postagem pois analisa conteúdos duvidosos sobre o novo coronavírus que obtêm grande alcance nas redes sociais. A versão do boato sobre o “cidadão de Cascavel” teve mais de 585 mil visualizações em uma semana, de acordo com plataforma de fact-checking do Facebook. A equipe do projeto também decidiu verificar o conteúdo por se tratar de um tema de grande relevância, que é o direito à liberdade de expressão. A acusação de que uma autoridade pública está promovendo censura entre os cidadãos durante a pandemia é grave.
Por fim, o boato se insere em um cenário de disputa política no Brasil que costuma traçar os caminhos da desinformação nas redes sociais. Depois que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou governadores e prefeitos por não concordar com as medidas de isolamento social, conteúdos falsos atacando lideranças regionais se multiplicaram nas plataformas.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
A investigação desse conteúdo foi feita por Estadão, O Popular e Diário do Nordeste e publicada na terça-feira (23) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus. Foi verificada por Folha, UOL, Piauí, Jornal do Commercio e SBT.
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