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Descrição de chapéu plano de saúde

Rescisões continuam após acordo entre Lira e planos de saúde, dizem usuários

Situação foi discutida em audiência pública no Senado; representantes de beneficiários pedem abertura de CPI

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São Paulo

Quase três meses após o acordo do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), com representantes dos planos de saúde para interromper cancelamentos unilaterais de pessoas vulneráveis, a prática continua e tem se somado a uma outra: o descredenciamento de serviços sem alternativas compatíveis.

O relato é de representantes de usuários de planos de saúde que participaram nesta quarta (21) de uma audiência pública virtual na Comissão de Direitos Humanos do Senado, solicitada pelo senador Flávio Arns (PSB-PR).

Dayah Castro, 39, e o filho Salomão, que tem TEA (transtorno do espectro autista) e teve plano de saúde cancelado em maio deste ano - Arquivo pessoal

Durante o encontro, mães de crianças autistas relataram que os cancelamentos unilaterais imotivados de planos de saúde continuam a despeito do acordo de Lira e as operadoras.

É o caso do filho da médica Juliana Elvira Herdy, um adolescente que tem TEA (transtorno do espectro autista), com nível de suporte 2, o que significa que apresenta mais desafios na comunicação e interação social.

Ela contou que os episódios de agressividade que o filho apresentava estavam controlados com o tratamento que fazia, mas que, com cancelamento do plano, várias terapias foram interrompidas e ele voltou a manifestar crise grave. "O autista não pode ter as terapias interrompidas."

Juliana afirmou que essas pessoas estão hoje reféns da quase impossibilidade de portabilidade dos planos de saúde por falta de oferta de planos equiparados e de outras burocracias envolvidas no processo.

Letícia Fantinatti de Mello, fundadora da Associação Vítimas a Mil, disse que, além dos cancelamentos, muitos usuários têm enfrentado uma situação ainda pior, que são os descredenciamentos de serviços em massa, sem que o plano ofereça alternativas compatíveis ao que era antes ofertado.

"Descredenciam os locais e as pessoas continuam com os mesmos problemas para seguir com o tratamento. Então eu diria que dá no mesmo [cancelar o contrato ou descredenciar serviços]", disse.

Ela relatou o caso de uma beneficiária de 76 anos, de Barueri (SP), que paga de R$ 5.000 de mensalidade e que, ao precisar de pronto-socorro, descobriu que o plano, da Amil, tinha descredenciado o serviço. Os PSs mais próximos ficam em Osasco, cerca de 15 km de distância, ou na Liberdade, em São Paulo. Pelas regras da ANS, em casos de descredenciamento, o plano precisa ofertar alternativa em um raio de 8 km.

Em nota, a Amil esclarece não ser possível identificar o caso mencionado na audiência pública, uma vez que não se tem nome ou outros dados da pessoa citada. Informa também que moradores da região de Barueri têm à disposição hospitais como Nove de Julho e Yes, entre outros, de acordo com o produto contratado.

A operadora reforça que cumpre todas as normas da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) no que se refere à comunicação, garantia de cobertura, prazos de atendimento, distribuição geográfica e padrão de qualidade.

Na audiência pública, Vitor Hugo do Amaral Ferreira, diretor do departamento de proteção e defesa do consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, disse que o órgão notificou mais de 20 planos de saúde por abusos, mas o cenário tem se agravado.

Ele afirmou também que foi solicitada ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, uma audiência pública para um debate amplo sobre o tema. A data da audiência ainda não está definida.

Na sua fala, Fabiane Alexandre Simão, presidente da Associação Nenhum Direito a Menos, e que também é mãe de um filho com autismo, criticou Arthur Lira por não abrir uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar abusos praticados pelos planos.

"É um absurdo ter um representante do povo, eleito pelo povo, sentando em cima de uma CPI que seguiu todos os ritos burocráticos, isso para mim é um atentado à democracia de direito."

A CPI foi apresentada em junho com 310 assinaturas de deputados e busca investigar a atuação das operadoras de plano de saúde. Nos bastidores, Lira já demonstrou contrariedade à instalação da comissão.

Na semana passada, o ministro Flavio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), pediu informações a Lira sobre os motivos pelos quais não instalou a CPI.

A ANS também foi muito criticada durante a audiência no Senado. De acordo com os participantes, a agência falha na regulamentação, na fiscalização e na transparência do setor da saúde suplementar.

O senador Flávio Arns, que presidiu o encontro, considerou os relatos graves e se comprometeu a reunir todos eles em um documento para exigir respostas da ANS. Ele informou ainda que apresentará pedido de audiência pública com representantes do órgão.

"O que a gente quer não é favor. As pessoas que mais precisam estão sendo colocadas à margem. 'Não, não vamos atender. Você é muito caro, você é muito difícil, vamos atender o que dá mais lucro...' Isso não pode acontecer", disse o senador.

Lucas Andrietta, coordenador do programa de saúde do Idec (Instituto de Defesa dos Consumidores), diz que mesmo que as operadoras argumentem que o cancelamento é previsto no contrato dos planos coletivos, as cláusulas são abusivas e não há uma simetria na relação entre essas empresas e os contratantes.

O representante do Idec também criticou o fato de a ANS de não publicar dados desagregados, como a quantidade exata de rescisões unilaterais e imotivadas, e de não atualizar a regulamentação do setor conforme o CDC (Código de Defesa do Consumidor).

Robson Santos Campos, diretor de assuntos jurídicos do Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor), disse que a ANS tem competência, legitimidade e amparo jurídico para fazer essa atualização das regras regulatórias e, com isso, frear a crescente judicialização do setor.

Questionada, a ANS afirmou que não participou da audiência pública no Senado nesta quarta porque não foi convidada. A agência diz que "cumpre sua missão de atuar na defesa do interesse público e destaca que resolve 9 a cada 10 reclamações de consumidores registradas em seus canais de atendimento por meio da Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), ferramenta de mediação de conflitos entre beneficiários e operadoras/administradoras de benefícios".

Sobre as rescisões, a ANS ressalta que as regras devem estar claramente expressas nos contratos. A agência diz que uma decisão da Justiça, que entrou em vigor em 2020, anulou uma norma que "estabelecia que os contratos de planos de saúde coletivos por adesão ou empresarial somente poderiam ser rescindidos imotivadamente após a vigência do período de 12 meses e mediante prévia notificação da outra parte com antecedência mínima de 60 dias. Tal medida, que pretendia dar ao consumidor o direito de rescindir o contrato a qualquer tempo, acabou por dar às operadoras o mesmo direito, pondo fim a uma situação de segurança para o beneficiário que antes tinha garantida a vigência de pelo menos 12 meses. Assim sendo, mesmo com a anulação do parágrafo único do art. 17 da RN 195/2009, as operadoras permaneceram obrigadas a dispor no contrato coletivo (empresarial ou por adesão) em que condições pode ocorrer a suspensão ou rescisão do contrato, observadas as regras previstas no Código Civil Brasileiro e no Código de Defesa do Consumidor".

A ANS também afirma que "ninguém pode ser impedido de contratar ou permanecer em um plano de saúde por idade ou por qualquer condição de saúde" e que "o beneficiário que teve contrato rescindido tem direito à portabilidade de carências, ou seja, pode contratar um novo plano sem cumprir novos prazos de carências ou de cobertura parcial temporária. A operadora tem obrigação de comunicar ao beneficiário, no momento da sua exclusão ou da rescisão do seu contrato, sobre o direito à portabilidade de carências, indicando o prazo de 60 dias para exercício do direito".

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