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Mulheres superam homens no tiro olímpico, e Brasil conquista vaga inédita em Paris

Dados históricos indicam que mulheres se sobressaem em esporte do qual foram excluídas; Georgia Furquim é 1ª brasileira a ter vaga direta no skeet

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São Paulo

A atleta de tiro esportivo Georgia Furquim não teve muitas referências femininas para se espelhar na carreira. Resgata da memória o nome de Andrea Bonato, que competia nas modalidades compak (uma das variações de tiro ao prato) e percurso de caça, mas nunca chegou perto de uma Olimpíada.

Geórgia é a primeira brasileira da história a conquistar uma vaga no skeet, modalidade de tiro ao prato com espingarda, por classificação direta. Em 2016, Daniela Carraro representou o Brasil na modalidade nos Jogos do Rio, em uma vaga destinada ao país-sede.

A atleta gaúcha, natural de Santa Maria, traça um caminho quase solitário no tiro esportivo feminino, já que só oito brasileiras representaram o país numa disputa olímpica. O esporte, entretanto, é um dos poucos em que elas competem em igualdade com os homens, e muitas vezes os superam.

A gaúcha Geórgia Furquim, 27, primeira brasileira a conquistar uma vaga olímpica no skeet, tiro ao prato de espingarda - Divulgação/CBTE

A Folha analisou a pontuação de mais 2.300 atletas de tiro olímpico desde 1968 e os dados indicam que as mulheres disputam em paridade com homens, em especial no tiro com carabina. Outros estudos internacionais chegam a conclusões semelhantes.

Para comparar as performances entre homens e mulheres, a reportagem precisou padronizar as pontuações, já que por alguns anos as regras foram diferentes entre os gêneros (eles atiravam 125 vezes; elas, 75). O número de disparos voltou a ser o mesmo para as duas categorias em 2018, e isso não alterou o desempenho das mulheres, como mostra um estudo de 2019 da Universidade de Madrid, que considerou 292 atiradores que competiram nos Campeonatos Europeus.

A Folha utilizou as pontuações da fase classificatória das Olimpíadas, etapa na qual todos os atletas participaram.

O levantamento identificou que as mulheres representam mais de 50% das 10 melhores pontuações em 62% das classificatórias de Olimpíadas na modalidade carabina de ar 10m. Em 2008, ocuparam as quatro primeiras posições.

Já na carabina 3 posições, o desempenho não é superior, mas segue notável: de 14 Olimpíadas, elas respondem por ao menos 30% do top 10 em sete edições e 50% ou mais em quatro. Considerando todos os eventos desde 1964, foram top 1 em 42% das vezes nessa modalidade.

Nas pontuações de pistola, as mulheres são menos frequentes entre as melhores pontuações, mas nas vezes em que aparecem, estão em 1º lugar, como em 2008 e em 2020.

Ao considerar todos os segmentos de tiro olímpico, as mulheres respondem por 71% das melhores pontuações (em 10 de 14 Olimpíadas). Nos Jogos de Tóquio em 2021, quatro de cinco modalidades teriam liderança feminina na fase classificatória se o esporte fosse disputado sem separação de gênero.

Os dados foram obtidos no site Olympedia, já que a página do COI (Comitê Olímpico Internacional) não possui detalhes de todos os eventos, e na página da ISSF (Federação Internacional de Esportes de Tiro), para o caso de Rio 2016.

A principal explicação para esse equilíbrio entre gêneros é que a força física, determinante na maior parte das modalidades, não impacta tanto como concentração e controle.

Entusiastas do esporte dizem que a diferenciação de regras servia apenas para não ser possível comparar desempenho entre homens e mulheres. Procurada mais de uma vez, a ISSF não respondeu aos emails para explicar essa motivação.

A linha do tempo olímpica começou com disputas mistas. Em 1976, a americana Margaret Murdock empata em ouro na carabina 3 posições com o compatriota Lanny Bassham, que venceu o desempate e ficou com a medalha. Ele chamou Murdock para dividir o posto mais alto do pódio na celebração.

Em 1984, a federação internacional decide dividir os gêneros para as modalidades que não envolvem tiro ao prato: carabina 3 posições, carabina de ar e pistola de ar.

Em 1992, a chinesa Zhang Shan leva a primeira medalha de ouro de uma mulher no skeet, que ainda era misto. Depois, a federação estipula que todos os eventos só serão abertos a homens.

Em 2000, mulheres voltam a competir no skeet olímpico, mas sob regras diferentes, com menos tiros. Somente em 2018, as regras voltam a ser a mesma para todos, o que também permitiu a comparação de atletas em termos absolutos.

Mudanças na história do tiro olímpico

Esporte é marcado por disputas abertas e fechadas e por alterações nas regras

  • Pistola de ar, 10 metros

    Separado por gênero de 1988 em diante

  • Carabina de ar, 10 metros

    Separado por gênero de 1984 em diante

  • Carabina de três posições, 50 metros

    Misto de 1968 até 1980 e separado por gênero de 1984 em diante

  • Skeet (tiro ao prato)

    Misto de 1968 até 1992, somente masculino em 1996 e separado por gênero de 1996 em diante; mulheres têm regras diferentes de 2000 a 2018

  • Trap (tiro ao prato)

    Misto de 1968 até 1992, somente masculino em 1996 e separado por gênero de 1996 em diante; mulheres têm regras diferentes de 2000 a 2018

O estudo da Universidade de Madrid, elaborado por Daniel Mon-López, Carlos Tejero-González e Santiago Calero, sugere que esportes nos quais a força física é um fator menor devem revisar seus regulamentos para gerar maior igualdade de gênero nos esportes.

Os acadêmicos concluíram que, nas provas com tiro de pistola, a performance entre homens e mulheres variou de 0,9% a 1,89%, percentual muito inferior ao de esportes como a natação, que gira em torno de 10%.

"Em contraste com quase todos os esportes nos quais homens têm uma performance absoluta melhor do que as mulheres, o estudo apresenta evidências de que não há diferenças entre homens e mulheres no tiro de carabina", dizem.

Além de a força física ser menos determinante, outras características impactam o tiro, como equilíbrio, precisão e coordenação motora.

Jodson Edington, presidente da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo e bronze nos Pan-Americanos, diz que a separação de gêneros ajuda a fomentar a participação de mulheres no esporte. Segundo ele, o tiro esportivo no Brasil possui quase 100% de praticantes amadores e ainda com a quantidade de atletas homens próxima a 90%.

"A separação também faz com que muitos países que ainda possuem uma cultura muito machista tentem estimular e fomentar a prática do tiro esportivo pelas mulheres com o objetivo de terem mais possibilidades de conquistar medalhas."

Geórgia, por sua vez, optaria por competir com homens. "A gente precisa de mulheres no esporte e a divisão de gêneros ajuda nisso, mas não significa que o resultado que busco deveria limitar a ser a primeira das mulheres, a gente quer ser a primeira geral", afirma.

Em Paris, Geórgia estará ao lado de Geovana Meyer, que disputará a carabina de ar 10m e a carabina 3 posições 50m. Com elas, o Brasil chega à tímida marca de 10 mulheres na história olímpica.

Primeiro ouro do Brasil veio do tiro

O feito ocorre mais de um século depois de o país conquistar seu primeiro ouro, que veio justamente do tiro. Nos Jogos da Antuérpia, na Bélgica, em 1920, Guilherme Paraense venceu a disputa da pistola de tiro rápido 25m.

Naquele mesmo ano, o time formado por Paraense, Afrânio da Costa, Sebastião Wolf, Dario Barbosa e Fernando Soledade conseguiu o bronze na prova de pistola 50m por equipes. Afrânio da Costa ainda levou a prata nos 50m de pistola livre 60 tiros.

Equipe de tiro do Brasil nos Jogos Olímpicos de 1920, na Antuérpia; Guilherme Paraense conquistou medalha de ouro - Acervo/COB
O tenente Guilherme Paraense (1886-1968), primeiro medalhista de ouro do Brasil - COB

Depois disso, o Brasil viveu um hiato no tiro esportivo até o Rio, quando Felipe Wu ganhou a prata na pistola de ar 10m.

As brasileiras se destacaram em Pan-Americanos com dois bronzes e em Campeonato das Américas, com três ouros.

"Sempre tive medo de sonhar com a Olimpíada. Sempre fui uma pessoa muito tímida, sempre tive meus pés muito no chão, mas é óbvio que meu objetivo era esse, eu só nunca verbalizei", diz Georgia, que embarca para Paris na segunda-feira (22).

Se a história do tiro começou com homens, Georgia, suas colegas e as pontuações internacionais mostram que elas podem mirar tão longe quanto eles, ou ainda mais.

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