Siga a folha

Descrição de chapéu
Olimpíadas 2024

Rosa Magalhães paira sobre Jogos Olímpicos de Paris da abertura ao encerramento

Figura da carnavalesca, que morreu na véspera da solenidade inicial, foi evocada em diversos momentos do evento na França

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Paris

Rosa Magalhães morreu aos 77 anos, no último dia 25, véspera da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris. Na solenidade que inaugurou o megaevento esportivo, foi lembrada com reverência em todos os veículos que fizeram as transmissões oficiais para o Brasil da festa realizada no rio Sena.

Eles não mencionaram que a carnavalesca achava péssima a ideia da celebração fora de um estádio –bonita para a televisão, pouco cativante para o público que encarou a chuva para ver barquinhos passando. Mas lembraram que ela ganhou um Emmy pelo figurino da abertura dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro.

A carioca foi ainda diretora artística do encerramento dos Jogos Olímpicos de 2016 –também no Rio, com apresentação aclamada internacionalmente–, motivo pelo qual teve sua figura outra vez evocada no domingo (11), dia de finalização de Paris-2024. E apareceu em diversos momentos durante as disputas na França.

Rosa Magalhães se diverte no desfile da São Clemente de 2017; enredo abordou a construção do Palácio de Versalhes, que virou arena olímpica - UOL

Sete vezes campeã do Carnaval, Rosa desenvolveu em 1994 um de seus mais célebres enredos, "Catarina de Médicis na Corte dos Tupinambôs e Tabajeres". No desfile vencedor da Imperatriz Leopoldinense, reconstruiu a visita do rei francês Henrique 2º e da rainha Catarina à cidade de Rouen, em outubro de 1550.

Na ocasião, para impressionar a realeza e convencê-la a investir em novas expedições ao Brasil, os comerciantes de Rouen –um dos portos de onde partiam exploradores e traficantes de pau-brasil rumo ao litoral sul-americano– armaram uma festa às margens do Sena. Foram importados da Bahia e do Maranhão ao menos 50 tupinambá genuínos.

Houve, então, uma apresentação teatral em uma espécie de maquete das terras brasileiras. Árvores foram enfeitadas com frutos, micos, saguis e papagaios levados do Brasil. Prostitutas e marinheiros normandos completaram um grupo de 300 pessoas, que pescaram, namoraram e guerrearam, desnudos. Ao fim da luta, os tupinambá derrotaram os tabajara, com pedido de bis de um público em êxtase.

Acompanhado também pela rainha Mary Stuart, da Escócia, o primeiro show brasileiro na Europa foi decisivo no estabelecimento do mito do bom selvagem, construído pelos filósofos Montesquieu, Diderot e Rousseau, que alimentou a Revolução Francesa, em 1789. "Na França, o bom selvagem deu o tom de igualdade... Fraternité, liberté", cantou a Imperatriz, há 30 anos.

"O enredo traz todos os ideais olímpicos, a coisa da relação entre os povos. Os indígenas brasileiros foram levados à França para fazer um carnaval na corte. E, quando o pessoal viu a maneira deles de se comportar, surgiram os ideais da Revolução. O desfile tem muito a ver com o espírito olímpico", disse o pesquisador e enredista Fábio Fabato, coautor de "Pra Tudo Começar na Quinta-Feira – o Enredo dos Enredos".

Unir povos com sua narrativa era uma das especialidades de Rosa, que recebeu em 2005 um generoso, porém pouco carnavalesco, patrocínio da Dinamarca. Ela deu um jeito: a Imperatriz cantou "Uma Delirante Confusão Fabulística", que congraçava o dinamarquês Hans Christian Andersen, de "O Patinho Feio", e o brasileiro Monteiro Lobato, do "Sítio do Picapau Amarelo".

"Estamos falando de uma grande autoridade artística brasileira", afirmou Milton Cunha, que faz questão de se referir a ela como "a professora". O carnavalesco, que atuou como comentarista da TV Globo nos desfiles dos últimos anos, participou da transmissão da abertura dos Jogos de Paris na CazéTV e mencionou a mestra repetidamente.

O encerramento dos Jogos do Rio foi muito elogiado - AFP

A memória da artista foi novamente evocada com a realização das competições olímpicas do hipismo nos jardins do Palácio de Versalhes. Em um de seus trabalhos recentes, em 2017, na São Clemente, a professora contou a história da construção do imponente "château", no enredo "Onisuáquimalipanse".

Era uma brincadeira aportuguesada da expressão "honi soit qui mal y pense", algo como "envergonhe-se quem julgar". Uma ironia de Rosa, que, em um recorrente contexto de escândalos na política brasileira, mostrou como um colossal desvio de verbas acabou por levar à construção do palácio onde viriam a saltar cavalos olímpicos.

Em resumo, Nicolás Fouquet usou de seu prestígio como superintendente de finanças do reino para erguer um esplendoroso casarão, nos arredores de Paris. A inauguração, em 1661, teve peça de Molière, um dos maiores dramaturgos da história da humanidade, e quitutes preparados por Vatel, um dos cozinheiros mais célebres da história da humanidade.

Luís 14, o Rei-Sol, adorou.

Mas logo entendeu que o espetáculo no Palácio de Vaux-le-Vicomte não seria possível sem abuso do erário. "Foi assim que descobriu nessa festança que havia comilança em sua pátria mãe gentil", cantou a São Clemente, relatando em seguida a prisão de Fouquet e a construção de algo maior, com os mesmos arquitetos e uma inauguração ainda mais estrondosa, em Versalhes.

"Usando a mesma régua e o mesmo traço, construiu-se outro palácio, de imponência sem igual. Ecoam pelos ares de Versalhes os acordes de um baile suntuoso e triunfal", entoaram os componentes da escola de Botafogo, antes de personificar o próprio Rei-Sol. "Que hoje o reeeeei... sou eu, brilhando com a ginga que o samba me deu."

Três séculos e meio depois, os jardins habitados pelo monarca se tornaram palco de campeonato olímpico, com nova ode a Rosa. Outro dos enredos dela, "Mais Vale um Jegue que me Carregue que um Camelo que me Derrube… Lá no Ceará", que triunfou em 1995, na Imperatriz, foi lembrado quando o favorito Henrik von Eckermann se deu mal na final da prova de saltos.

King Edward derrubou Henrik von Eckermann em Versalhes - Xinhua

O desfile retratava o triunfo do jegue, brasileiro, lutador, sobre os camelos e dromedários importados no século 19, que não suportaram o clima do Nordeste. Em Versalhes, não houve triunfo brasileiro –Stephan Barcha, em boa prova, ficou em quinto. Mas, quando o puro-sangue King Edward se enfezou e derrubou Von Eckermann, líder do ranking mundial, foi fácil para os fãs de Rosa, como Fábio Fabato, fazer a ligação.

"De fato, as conexões da Rosa com a França, em período olímpico, com todos os simbolismos, são enormes."

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas