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Lobo Mau representa as pessoas adultas no mundo infantil

Personagem alterna figura doméstica com monstro terrível e isso assusta

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São Paulo

Quem tem medo do Lobo Mau? Com um sobrenome desses, fica mesmo complicado não sentir nem um arrepiozinho quando ele mostra aquela boca tão grande, aqueles dentes enormes. Mas será que o Lobo Mau foi sempre foi assim, malvado? Como será que ele nasceu?

As primeiras histórias em que o personagem aparece são as Fábulas de Esopo —um escritor grego de 2.400 anos atrás. Depois, nas famosas histórias dos Irmãos Grimm. O lobo está lá em “Chapeuzinho Vermelho”, “Os Três Porquinhos” e “Pedro e o Lobo”, por exemplo.

“Por ser geneticamente parecido com o cão, o lobo se presta à representação ao mesmo tempo doméstica e selvagem, e é isso que assusta a criança. O Lobo Mau é a figura de um adulto, um pai que pode ser muito amoroso, mas pode ser terrível, como um lobo”, conta Mário Corso, psicanalista e um dos autores de “Fadas no Divã - Psicanálise nas Histórias Infantis” (Artmed, 325 págs., R$ 114).

O Lobo Mau ilustrado por Alexandre Rampazo - Alexandre Rampazo/Divulgação

Em resumo, o Lobo Mau nasceu pelas mãos dos escritores para ocupar esse lugar de um monstro que mete medo em todo mundo mesmo.

O Lobo Mau é como se fosse um símbolo das coisas esquisitas que a gente sente quando é pequeno, e não sabe explicar. “A criança fica angustiada, e a angústia não tem uma representação. Então ela não sabe dizer com o quê está angustiada. Se ela diz ‘um lobo’, ela cristaliza em um lugar de onde a ameaça vem”, esclarece o psicanalista.

“Nem todos entendem da mesma maneira. A gente faz o que quiser com os monstros. Eles são como se fossem massa de modelar. O medo tem mil faces, e o Lobo Mau suporta todas”, diz Corso. “Inclusive assumir figuras femininas”.

Ilustração de Alexandre Rampazo para Chapeuzinho Vermelho - Alexandre Rampazo/Divulgação

Sabe quando a gente tem medo, por exemplo, do Lobo Mau comendo pessoas sem mastigar, como ele faz com a Vovó da Chapeuzinho Vermelho, e depois essas pessoas são retiradas vivas de lá de dentro da barriga dele? O psicanalista explica: “Este é um terror da criança. Se ela saiu da mãe, por que a mãe não poderia engoli-la de volta?”.

De toda forma, o que é mais importante nesta história toda é saber que o Lobo Mau surgiu principalmente para servir como instrumento das brincadeiras infantis.

“A criança brinca para tentar dar sentido para as coisas, para elaborar, para entender, e a literatura serve para isso. É um capítulo dessa ferramenta maravilhosa que é a imaginação”, resume Corso.

E, por falar em imaginação, tem quem pegue toda essa história do Lobo Mau, e sua tradição como malvadão da floresta, e a transforme completamente. Todo mundo já assistiu ao filme “Shrek”, certo? Nele, todos os papeis clássicos dos contos de fadas são invertidos, e é justamente daí que vem a graça.

Lá, o monstro não é um monstro, o príncipe é um homem do mal, a fada madrinha é uma déspota. “Brincar com essa ambivalência faz parte disso. A criança gosta desta relativização entre o bem e o mal. É bem-vinda e faz parte do crescimento”, diz Corso.

Outro lugar em que Lobo Mau aparece diferente é no livro ilustrado “Este É o Lobo” (64 págs., R$ 54,90), assinado por Alexandre Rampazo, lançado pela primeira vez em 2016 e agora reeditado pela Pequena Zahar. Na história, o lobo aparece como uma figura solitária, com quem ninguém quer brincar.

Quando criança, Rampazo não podia ouvir falar de barata voadora, do Homem do Saco, nem de monstros debaixo da cama que já se tremia de medo —mas do Lobo Mau, por incrível que pareça, ele não tinha medo, não.

Ele explica que uma das ideias do livro é olhar para estereótipos e estigmas, que é quando a gente julga pessoas e coisas a partir da aparência ou do comportamento delas. “Este lobo talvez tenha recebido o afastamento mesmo antes de dizer quem era. Talvez ele queira outra coisa que não devorar a vovozinha. Um abraço, talvez?”, pergunta Rampazo.

Em “Este É o Lobo”, quem muda a imagem do Lobo Mau é um menino. “A criança tem esse poder de observar o mundo totalmente desarmada”, diz o autor. O psicanalista Mário Corso concorda que só mesmo os pequenos podem fazer isso —depois que a gente cresce, nossa cabeça muda.

“O crescimento é uma virada. Seu repertório de interpretação do mundo fica plural e isso cai. Daí tem que encontrar uma literatura mais complexa para se sentir representado, e ajudar a narrar o mundo e a si mesmo”, explica. Melhor aproveitar enquanto ainda se é criança.

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