Guia para felicidade parece post em rede social
Autores que tiraram ano sabático não conseguem provar ao leitor por que experiência vale a pena
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Infelizes com a toada da vida corporativa, o casal de jornalistas Karin Hueck e Fred di Giacomo jogou tudo para o alto em 2013. Pediram as contas de ótimos empregos numa grande editora e foram passar um ano na Alemanha para descobrir como se faz para a vida ter mais significado.
Lançaram site, perfis nas redes e, alguns anos depois de retornarem a São Paulo e aos mesmos empregos, escreveram um livro: “Glück: O Que um Ano Sabático nos Ensinou Sobre a Felicidade”, publicado neste ano pela Ed. BestSeller.
Difícil encaixá-lo em um gênero. “Glück” parece não saber se é um livro de autoajuda, de memórias pessoais, um ensaio sobre a busca da felicidade ou o making of do próprio livro. Está mais para o último.
O principal defeito do livro aparece logo cedo: prometer muito e entregar pouco. Este problema é bem representado na participação da monja zen budista Coen Roshi no livro. Ela entra, fala duas linhas sobre felicidade e desaparece.
O autor, aliás, filosofa mais que a religiosa durante a transcrição da entrevista. Dela, são exatas 28 palavras, contando artigos e preposições. (A bem da verdade, a monja volta perto do fim do livro para uma única frase sobre meditação.)
O desperdício continua. Por exemplo, Karin cita o avô, um alemão que sobreviveu à Segunda Guerra. Os detalhes de seu drama devem ser muito interessantes, bem como suas reflexões sobre a vida.
Mas o leitor não encontrará quase nada disso. Como forma de consolo, saberá que um dia a correia da bicicleta de Fred quebrou em Berlim e ele teve que consertá-la.
Às vezes o livro parece uma grande legenda de Instagram de brasileiro descendente de europeu quando visita a cidade dos bisavós. Nada contra o Instagram em si, mas ficaram faltando as fotos. E a legenda acabou saindo muito grande.
Outro exemplo de desperdício, desta vez de autores mais difíceis de entrevistar —porque já morreram: Albert Camus, que dedicou a vida a responder se a vida merece ser vivida, entra no livro só para dizer que “o que dá valor à viagem é o medo”. Depois, some.
Caso tivessem seguido a leitura da coletânea de ensaios “O Avesso e o Direito”, de onde a frase foi tirada, os autores de “Glück” chegariam mais perto da complexa e potente visão de mundo do escritor argelino, que denunciou o absurdo da rotina em suas histórias.
O livro também se escora demais em dados e números no que parece um esforço para justificar a guinada na biografia do casal. Não parece ser necessário provar com porcentagens a popularidade de algo universalmente celebrado como o sonho de largar o emprego, ter uma vida mais simples e viver de arte.
Fica estranho você imaginar que o casal procurou qual fatia da população americana se sente pressionada a trabalhar mais (60%) ou pensa que está mais estressada (86%) antes de fazer as malas para Berlim.
A experiência de ler o livro de Karin e Fred é a de folhear o cardápio de um restaurante em casa. Você vê os nomes dos pratos, os ingredientes, mas não aprende a receita para reproduzi-los em sua cozinha e acaba a leitura se sentindo de barriga vazia.
Em sua defesa, “Glück” tem essa qualidade rara de certos livros que encontramos: tratam de algo muito importante de maneira tão equivocada que acabam servindo para que você vá atrás de outros livros mais bem desenvolvidos.
E resolva até pegar um ano sabático para lê-los todos.
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