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Gwyneth Paltrow afirma que Hollywood mudou após denúncias de assédio

"Antes a gente cerrava os dentes, dizia 'que asco' e seguia adiante', disse a atriz em Londres

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A atriz Gwyneth Paltrow posa para retrato na Califórnia - Ryan Pfluger/The New York Times

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Jo Ellison
Financial Times

Gwyneth Paltrow chega ao Marcus, o restaurante com estrelas Michelin do Berkeley Hotel, em Londres, quando o almoço está começando a ser servido. Perfeitamente loira, bronzeada e sardenta, a atriz premiada com o Oscar e fundadora do site de bem-estar Goop irradia a espécie de aura dourada que pertence apenas às pessoas verdadeiramente famosas.

Mas nem mesmo ela é capaz de aquecer o ambiente da salinha reservada de jantar, que, com sua elegância em tons de cinza e seu ar de deferência e vozes baixas, parece um pouco gelado.

Estudamos o cardápio educadamente. É uma profusão de receitas sazonais que parecem deliciosas e que incluem um pescoço de cordeiro cozido por 36 horas e servido com missô e girolles (um tipo de cogumelo), além de robalo assado com escargots de Dorset. Tudo soa deliciosamente incomível.

“Meu Deus”, diz Paltrow naquele sotaque americano familiar e arrastado. “Que diabos vamos comer?”
Ela examina o cardápio mais uma vez e então anuncia: “Não posso comer esta m.... Vamos subir para minha suíte e pedir serviço de quarto.”

Descubro que a autora de cinco livros de receitas, incluindo o prestes a ser lançado “The Clean Plate” –uma coletânea de planos de refeições, programas de detox e de limpeza —está com vontade de devorar um club sandwich.

Minutos mais tarde entramos na suíte de cobertura, com vista para Mayfair. O lugar encarna o luxo em tons neutros que poderíamos encontrar numa comédia romântica de Nancy Meyers.

Melhor ainda –está quentinho. “Parece uma pena não aproveitar este lugar enquanto estou aqui, não?”, Paltrow comenta. Ela tira os tênis e começa a separar protótipos de roupas que estão sendo criadas para a grife do Goop, a G Plan.

Vou até a sala para ter uma visão mais de perto do planeta Goop. Produtos de maquiagem e para cabelos estão espalhados sobre a mesa de jantar, todos esperando o momento de ficarem prontos para ser fotografados com Paltrow para a inauguração da loja pop-up da Goop. Ao lado dos produtos está um buquê de flores brancas. O cartão diz: “Saudades de você. Seu marido. x.”

O marido é Brad Falchuk, o roteirista e produtor de televisão com quem Paltrow se casara dez dias antes em Amagansett, Nova York. Desde então, ela estava tendo algo que se assemelha “vagamente” a uma lua de mel. Amanhã ela vai voltar aos EUA e a seus filhos, Moses e Apple, de seu casamento anterior com o músico pop britânico Chris Martin. Os detalhes da cerimônia só foram divulgados alguns dias mais tarde em um post no Goop intitulado “A Festa de Casamento”.

Desde seu lançamento, em 2008, o Goop foi pensado como o serviço de últimas notícias de Paltrow. Foi ali que ela anunciou em 2014 que ela e Martin estavam se “separando conscientemente” depois de 12 anos e meio de casados. E foi onde ela decidiu levar a público seu noivado com Falchuk.

Mas, tendo começado como “um lugar para resolver meus próprios problemas”, como ela descreve os anos iniciais do Goop, o empreendimento cresceu e se tornou uma empresa grande, atuante em diversas categorias e que emprega 220 pessoas. Em sua última rodada de financiamento, em fevereiro passado, ela foi avaliada em US$250 milhões.

Os “goopers” ainda recorrem ao site para buscar conselhos sobre tudo, desde “como alfabetizar financeiramente as crianças” até “os méritos de ter uma coleção inteligente de sapatos”.

Alguns dos conselhos oferecidos são benignos; outros, como a recomendação do uso de enemas de café ou de consultar um “praticante de medicina energética xamânica”, foram recebidos com críticas ou rejeição ampla.

Mas os verdadeiros goopers não se deixam desanimar. Eles compram livros, acessórios, vitaminas, roupas, produtos para a pele e acessórios sexuais promovidos pelo Goop. E, cada vez mais, se reúnem com outros goopers em encontros do Goop (o próximo terá lugar em Londres na primavera deste ano), onde pagam até US$ 2.000 para participar de oficinas de wellness, aulas de ioga e de meditação.

Nada mal para uma atriz com pouca ou nenhuma experiência em publicação na internet que concebeu seu plano de negócios em sua mesa de cozinha em Belsize Park.

É verdade que ela não era exatamente uma desconhecida quando decidiu lançar o site. Seu nome já era globalmente conhecido, ela tinha mais de uma década de capas de revista em seu CV, e, quando ela fala em “ter um encontro com um cara de marketing em Londres que me deu o nome [Goop] e me indicou com outro cara para fazer o bonde deslanchar”, é preciso levar em conta que o círculo de seus conhecidos inclui gente como Steven Spielberg (seu padrinho) e Brian Chesky, bilionário na internet, co-fundador da Airbnb e alguém para quem Paltrow ainda liga “para pedir um conselho”.

“É bizarro lembrar daquela época”, diz Paltrow, falando da “crise de vida” que precipitou a criação do Goop. “Eu estava levando uma vida totalmente diferente na época. Estava completamente exaurida. Tinha feito 40 filmes em dez anos, e, se bem que houvesse alguns lados incríveis disso, também era uma vida muito solitária. Eu passava muito tempo sozinha viajando. Eu tinha tido minha filha e pensei ‘não quero mais continuar fazendo isto’. Então comecei a perceber que estava muito interessada no espaço digital. Eu não sabia no que estava me metendo. Estava sozinha na cozinha da minha casa, tentando entender como funcionava o WordPress. Era ridículo.”

Estamos esperando pelo serviço de quarto. Paltrow pediu um club sandwich, sopa fresca de tomate e batatas fritas; eu optei por uma salada niçoise, sopa de tomate e um chá preto. Pergunto se ela está fazendo uma dieta neste momento. “Minha dieta é uma coisa de fases”, ela responde.

“Neste momento, não sei o que vou comer. Como o que eu quero e depois faço dez dias de desintoxicação.” Ela solta um suspiro. “Batatas fritas são minha comida predileta. E adoro beber álcool. Então é preciso encontrar um equilíbrio. Sou uma pessoa de verdade que quer comer coisas deliciosas.”

Irritantemente, Paltrow revela poucas das imperfeições físicas que seriam de se esperar em uma mulher real de 46 anos. Sim, ela tem algumas rusgas minúsculas, e anos de prática intensa de exercícios esculpiram seu físico, que de uma fragilidade juvenil passou para uma silhueta esbelta e atlética, mas ela aparenta ser mais ou menos a mesma mulher que ganhou fama global instantânea com “Seven – os Sete Crimes Capitais”, de 1995.

Nem todo o mundo se convenceu com suas primeiras homilias sobre os benefícios da ventosaterapia e das dietas de jejum com sucos verdes. Mas Paltrow, que começou a se interessar pelo “modo limpo de viver” quando pesquisou tratamentos alternativos, depois de seu pai ter recebido o diagnóstico de câncer oral, em 1999, não esmoreceu.

Foi porta-voz pioneira do wellness, e, considerando que esse mercado hoje é estimado pelo Instituto Global de Wellness em cerca de US$ 4,2 trilhões, podemos imaginar que ela esteja satisfeita consigo mesma.

“Comecei a escrever sobre esse tipo de coisa quando ninguém estava falando sobre isso, e ainda estamos na vanguarda”, ela disse. “Mesmo quando comecei a praticar ioga, antes da internet, me lembro que havia artigos muito cínicos descrevendo a ioga como algo bizarro, meio que uma coisa de gente doida.

Tem sido fantástico observar como a opinião pública mudou completamente a esse respeito. Outro dia me aconteceu algo engraçado. Fui a um estúdio de ioga em LA e a garota linda de 22 anos atrás do balcão me perguntou: ‘Você já fez ioga antes?’. E eu falei ‘garota, você tem esse trabalho porque eu já pratiquei ioga antes’.”

É uma anedota que já li em outro lugar. Mas gosto dela porque resume à perfeição a espécie de sinceridade de mulher para mulher que valeu muitos fãs a Paltrow –e também vários detratores. Por mais que ela possa ser real, possa pôr as mãos na massa e dizer “vamos pedir batatas fritas e pronto”, as pessoas ainda questionam sua vida, com suas doses de vitaminas e seu senso de privilégio inato.

“Isso é pura besteira”, ela fala, aludindo à acusação de que o Goop representa uma elite. “Essa ideia de que o bem-estar é algo reservado às pessoas ricas não é verdade, de maneira alguma. Os verdadeiros fundamentos do bem-estar são todos de graça: meditação, consumir alimentos integrais, tomar muita água, dormir bem, pensar positivo, esforçar-se para ser otimista.”

Paltrow não tenta convencer ninguém que seu corpo esguio e sua pele reluzente sejam dádivas da genética. Mas, quando compartilha quanto se exercita e quais são suas técnicas de escovação de pele, ela é capaz de parecer radical.

“Acho que a razão por que as pessoas se aborrecem comigo é que eu digo ‘na realidade, trabalho muito duro em todas as áreas de minha vida’”, ela fala. “Algumas pessoas acham isso muito inspirador, mas para outras, é irritante.”

O almoço é servido por dois garçons que parecem estar emocionados por estar na presença de Paltrow. A sopa de tomates está fresca e saborosa. O club sandwich é um clássico elevado da escola dos hotéis cinco estrelas. Paltrow manda ver.

Pergunto se ela sempre foi tão motivada. “Acho que compito comigo mesma”, ela responde, tirando um pedacinho de bacon do sanduíche. “Isso é em parte uma coisa sadia e em parte uma coisa nada sadia. Uma parte de mim tem um lado tremendamente perfeccionista, e isso cansa e não é legal, mas o lado positivo é que sempre procuro arrancar da vida o que ela tem de melhor.

A Goop é uma empresa que está em ótimas condições. Em 2013, virou sociedade anônima. Paltrow levantou US$ 10 milhões em 2015 e outros US$ 15 milhões numa segunda rodada.

Entre seus investidores estão as firmas de capital de investimentos Felix Capital e New Enterprise Associates (NEA). Paltrow foi nomeada executiva-chefe da Goop em 2017. Pergunto como é “ser Gwyneth Paltrow” quando ela está procurando investimentos?

“É hilário”, ela responde. “E brutal. No começo, todos os investidores topam ter uma reunião comigo. Durante uns 90 segundos, eu sou Gwyneth Paltrow e eles querem fazer uma selfie comigo para mostrar à mulher deles. Às vezes me falam o quanto gostaram de ‘Os Excêntricos Tenenbaums’. E então você se senta para fazer a apresentação e percebe ‘merda, ser empreendedor é assim’. É uma grande lição de vida, porque quando você é uma pessoa famosa, as pessoas vivem lhe tratando com cuidado e tirando obstáculos de seu caminho. Para mim, as reuniões com investidores foram uma grande aula de realidade. Foi quando eu percebi que havia 20 anos eu vinha sendo tratada como uma pessoa de mentirinha.”

Paltrow comanda a empresa há três anos, mas não tem dúvidas em relação ao cargo de executiva-chefe: “É a coisa mais difícil que já fiz”, ela comenta.

Uma lição que ela foi obrigada a aprender foi sobre a necessidade de maior rigor. Depois de uma ação judicial muito noticiada de setembro passado, a Goop teve que pagar multa de US$ 145 mil por alegações infundadas de marketing sobre seus “ovos” de pedras preciosas –um feito de jade e outro de quartzo.

Os materiais do Goop diziam que, inseridos na vagina, os ovos poderiam corrigir os níveis hormonais e beneficiar o controle da bexiga da usuária. A ação judicial de proteção dos consumidores movida pelo promotor distrital do condado de Santa Clara, Jeff Rosen, e nove outros promotores estaduais concluiu que as alegações eram totalmente sem fundamento.

“À medida que você cresce, vai percebendo que tem muita responsabilidade e precisa prestar contas pelo que faz”, fala Paltrow. “Estamos tomando muito cuidado com tudo isso agora. O mais assustador para mim é não saber o que eu não sei. Já cometi erros enormes porque nem sequer sabia que era possível cometer esses erros.”

Ela passa a falar de outro erro, migrando para um novo servidor de e-mail —algo que não chega a ser um tema muito sexy, considerando que estou falando com uma mulher que sabe como é namorar Brad Pitt.

Mas Paltrow parece dar muito mais importância a seus problemas com o MailChimp do que com as oportunidades de trabalho que pode ter deixado passar. Pergunto se ela se sente mais realizada com seu trabalho atual. “Não”, ela responde. “São laranjas e maçãs [duas coisas completamente distintas]. Atuar é algo emocional e miópico. Quando você está sendo atriz, você vive em seu cantinho, decora suas falas e representa seu papel. Você é uma parte importante da produção, mas mesmo assim não passa de uma engrenagem importante da máquina. Criar e executar uma estratégia de negócios é muito mais estimulante.”

Isto dito, Paltrow recentemente reprisou seu papel de Pepper Potts para o próximo filme “Vingadores”, da atual franquia Marvel. Estar no set de filmagens foi como estar de férias? Ou ela ficava sentada em seu trailer com uma tonelada de planilhas Excel espalhadas na mesma? A segunda alternativa, é claro.

“Graças a Deus que tenho minhas planilhas, porque hoje eu ficaria doida num trailer”, ela disse. “Eu estava no set com minha querida chefe de gabinete, e ela falou ‘não acredito quanto tempo estamos passando sentadas sem fazer nada’. Eu falei ‘não acredito que costumava fazer isso sem internet e sem empresa para administrar ao mesmo tempo.’”

Os sets de filmagem mudaram de outras maneiras também. Como princesa das produções Miramax, Paltrow foi no passado uma propriedade altamente valorizada de Harvey Weinstein. Quando o produtor começou a ser acusado de assédio sexual, Paltrow foi a público com seu próprio relato de como Weinstein tentara agarrá-la quando estavam sozinhos num quarto de hotel em 1995.

Na época, Brad Pitt ameaçou matar Weinstein se ele fizesse a mesma coisa de novo. E Weinstein não fez. Mas Paltrow guardou silêncio até o ano passado. A cultura de Hollywood mudou?

“Com certeza”, ela responde. “Dá para ver, para cheirar, para sentir o sabor: está diferente. Antes a gente cerrava os dentes, dizia ‘que asco’ e seguia adiante. Hoje, se alguém fizer essas coisas com uma pessoa de 24 anos num local de trabalho, haverá consequências, sem dúvida alguma. Acho isso muito saudável, acho que já não era sem tempo. E sinto orgulho por ter exercido um pequeno papel nisso.”

Quanto à Goop, será que vai poder crescer e ultrapassar a imagem de sua fundadora?

“Futuramente, não quero mais ficar sempre falando com as pessoas”, ela fala. Mas está claro que um endosso de Gwyneth Paltrow traz vantagens tremendas. “Tenho que avaliar muito bem quando aciono essa alavanca”, ela fala.

Mas ela confia que a Goop vai crescer e ultrapassá-la. “Acho que pode se dizer o mesmo de qualquer empresa e seu fundador, mesmo que não seja um executivo-chefe que fala com os consumidores”, argumenta Paltrow. “Mas sempre dá para apontar alguém como Coco Chanel ou Walt Disney, marcas que sempre foram associadas a seus fundadores. Afinal, eu não chamei o Goop de ‘‘GwynethPaltrowLifestyleBlog.com’. Eu sempre soube que queria que a empresa fosse muito maior que eu.” Ela fala de Stella MacCartney, velha amiga dela, cuja grife “é muito maior” que a própria McCartney, porque representa alguns “valores incríveis”.

Pergunto quais seriam os valores incríveis da Goop. “Acho que as pessoas veem que tentamos resolver problemas da mulher moderna”, ela responde. Isso pode significar ajudar a mulher a dormir melhor, ter mais energia ou alimentar-se de modo mais saudável. Frequentemente também significa melhorar sua saúde sexual.

“Sem sombra de dúvida”, diz Paltrow. “As pessoas sempre ficam na defensiva quando falamos em saúde sexual da mulher. Sempre me pergunto ‘por que isso é tão ameaçador?’ Acho que as mulheres realmente apreciam nossos conteúdos, porque estamos tentando criar um espaço onde não há vergonha e você pode fazer perguntas. Eu, como alguém que se enxerga como uma mulher e profissional respeitável, também acho interessante o fato de haver um artigo sobre sexo anal no site. Isso autoriza as pessoas a fazer perguntas ou ter curiosidade sobre o assunto. E isso é ótimo.” Ela sorri. “Esse é apenas um aspecto muito pequeno de tudo sobre o que escrevemos, mas ganha grande cobertura, como você pode imaginar.”

O almoço terminou. Uma equipe de stylists chegou para preparar Paltrow para seu próximo compromisso. “Meu Deus. Por que comi tanto?”, Paltrow geme, posando para uma selfie obrigatória. “Estou sentindo minha barriga enorme.” A barriga dela está minúscula. É claro. Ela olha para as flores.

“Quer ficar com elas? Vou embora amanhã, e elas só vão acabar no lixo.” Eu aceito as flores. Flores da Goop. É o máximo.


Tradução de Clara Allain

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