Crítica a tabloide, livro de Nobel alemão ecoa ambiente atual de fake news
Romance de Heinrich Böll com maior repercussão, 'A Honra Perdida de Katharina Blum' (1974) é reeditado no Brasil
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A atmosfera de medo que reinava na Alemanha Ocidental da década de 1970 colocou os alemães diante do seu maior teste como sociedade desde o regime nazista.
Corriam os ataques a bomba e sequestros do grupo terrorista RAF (Fração do Exército Vermelho, na sigla em alemão), também conhecido como Grupo Baader-Meinhof.
Para combatê-los, o governo social-democrata de Willy Brandt (1969-74) apelou para métodos controversos como grampeamento indiscriminado de telefones e encarceramentos sem julgamento.
Acusações sem evidências reverberavam na imprensa marrom, com destaque para o tabloide Bild, ainda hoje o mais vendido na Europa.
“Se, em descrições de certas práticas jornalísticas, surgirem semelhanças com as do jornal Bild, isso não se deu por acaso ou premeditação; foi, isso sim, inevitável”, diz Heinrich Böll pouco antes de dar início à narrativa de “A Honra Perdida de Katharina Blum”.
Fora de catálogo há quatro décadas no Brasil, o breve romance publicado em 1974 é agora reeditado pela Carambaia, em nova tradução de Sibele Paulino. Nele, a jovem protagonista do título passa a ser investigada após se envolver com um suspeito de terrorismo.
Pior do que a polícia será o assédio do tabloide chamado Jornal na trama —uma clara sátira do Bild—, que conduz uma devassa na vida privada de Katharina, fazendo uso de informações falsas e entrevistas distorcidas. A narrativa se desenrola com ritmo de thriller e tintas carregadas da ironia de Böll, que se viu, ele próprio, alvo do Bild.
Em janeiro de 1972, o escritor, em artigo na Der Spiegel, principal revista semanal alemã, criticou a cobertura leviana feita pelo tabloide. O texto foi reação a uma manchete do Bild do mês anterior: “O bando Baader-Meinhof continua matando”, referindo-se a um roubo a banco no qual não havia evidências de ligação com o grupo.
Böll foi acusado de ser mentor intelectual dos extremistas. Terminou o mesmo ano laureado com o Nobel de Literatura —prêmio que, segundo a imprensa ultraconservadora, era dado apenas a radicais esquerdistas.
A publicação de “A Honra Perdida”, dois anos depois, reafirmou a imagem de Böll como “consciência da nação”, “por sua sensibilidade humana e forma direta de se manifestar na esfera pública alemã sobre os problemas no próprio país e no mundo”, afirma à Folha Paulo Soethe, professor da Universidade Federal do Paraná especialista em literatura alemã e autor do posfácio desta reedição.
Com o romance, avalia Soethe, “Böll lançou mão de uma arma de legítima defesa, desferiu uma bordoada em seus detratores e os pôs para correr. Junto à opinião pública alemã e mundial, ele venceu o conflito com o jornal Bild e com as forças ultraconservadoras de seu país”.
A adaptação para o cinema, dirigida em 1975 por Volker Schlöndorff e Margarethe von Trotta, ajudou a ampliar a repercussão do livro.
Conhecido por sua atuação política no Partido Social-Democrata e depois no Partido Verde, o escritor soube como poucos descrever a psique alemã do pós-guerra. Exemplares são os romances “Pontos de Vista de um Palhaço” (1963) e “O Anjo Silencioso”, escrito no final da década de 1940, mas publicado apenas em 1992, sete anos após a morte de Böll. Ambos foram publicados no Brasil pela Estação Liberdade.
Para Soethe, “A Honra Perdida” veio em boa hora, “dada a premência de sua questão central também no contexto brasileiro contemporâneo”.
“O grito de protesto de Böll contra a imprensa marrom na Alemanha, a qual o difamava naquele momento por manifestações suas em favor de que acusados de terrorismo fossem tratados como cidadãos de um Estado de Direito, era também um grito contra a banalização da atividade jornalística.”
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