Voltado aos fãs do original, obra reforça estereótipos
'Sai de Baixo - O Filme' se sustenta no funcionamento de uma nação que insiste em rir da própria miséria
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Quase duas décadas depois do fim da série original, “Sai de Baixo” não quer envelhecer. Como aquele parente querido e insistente, que teima em contar as mesmas piadas ao longo das décadas, a turma de Caco Antibes ainda adora se fazer notar.
No auge da fama, ao final dos anos 1990, o programa se popularizou no país com sua irreverência anárquica. Naqueles tempos, anarquia era sinônimo de fazer troça de tudo e de todos, sem distinção de gênero ou classe.
Surgiram, assim, personagens caricatos em suas ambições aristocráticas, mulheres que valiam mais quando caladas (“Cala Boca, Magda!”), além do porteiro e da doméstica que, apesar de intrusos naquela casa, faziam parte da dinâmica familiar —retrato da harmonia de fachada que só a cordialidade brasileira é capaz de produzir.
Os anos correram, os limites do humor foram redesenhados e o que antes era anarquia hoje pode soar discriminatório. Afinal, nesse intervalo, nasceu o politicamente correto —para alguns, um escudo necessário contra a depreciação das minorias. Para outros, cerceamento de liberdade de expressão —ainda que seja estranho pensar em liberdade como carta branca para humilhar.
“Sai de Baixo” achou por bem arriscar, e chega agora aos cinemas do país. Dirigido por Cris D’Amato, volta como um road movie, no qual os personagens originais, falidos, contrabandeiam joias ilegais na fronteira do país.
A ideia de reviver a série esbarra em perguntas. De que modo aquele humor se adapta a novas demandas? Como agrado aos fãs —e a versão cinematográfica só terá algum apelo para eles—, “Sai de Baixo - O Filme” se manteve fiel ao próprio legado e, indiferente aos novos tempos, reassume a pretensa rebeldia.
Para além da aparência de besteirol, a franquia tem inegável astúcia em retratar o caráter farsesco da sociedade brasileira. Se parasse por aí, talvez o humor de “Sai de Baixo” prestasse algum serviço à conscientização social. No entanto, ao atirar para todos os lados, essa questão se complica.
Não se trata, é claro, de exigir que minorias sejam poupadas da sátira. Há uma distância, porém, entre o humor e o reforço de estereótipos.
Como se sabe, a linha que separa a paródia do preconceito é tênue, uma vez que não depende apenas das boas intenções dos autores, mas também da mentalidade de quem as recebe. Em um país conservador, onde a violência se esconde na ideia de um povo alegre, a conclusão é triste.
A sobrevivência de “Sai de Baixo - O Filme” se sustenta no funcionamento problemático de uma nação que, passados 20 anos, ainda insiste em rir da própria miséria.
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