Peça sobre violência contra a mulher transforma palco em mecanismo de reflexão
Clima de paródia constrói estética edificante em 'Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante'
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Em “Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante” a dramaturga Silvia Gomez parte do estupro coletivo de quatro meninas no município de Castelo do Piauí em 2015. Apesar do mote impactante, o fato não é o assunto da obra. Ele funciona, na verdade, como um disparador para elaborações poéticas e conexões metafóricas sobre a violência sistemática contra mulher e sobre o desamparo diante de um mundo que pratica tamanha atrocidade.
A encenação de Gabriel Fontes Paiva reverbera as indagações do texto e faz o palco se transformar num interessante mecanismo de reflexão, cuja força motriz é a personagem enigmática interpretada por Yara de Novaes. Ela é um vigia, uma fada, uma entidade mitológica que interage com a vítima do estupro vivida por Débora Falabella.
Contudo, ao mesmo tempo, ela regula a iluminação, rege a banda, organiza a composição das cenas, fala diretamente com o público. É uma espécie de encenadora dentro da cena, mestre de cerimônias que faz do palco seu laboratório mágico de criação.
A atriz realiza a tarefa com qualidade incomum. Ela dá vida ao mecanismo cênico e textual e faz com que a tendência prolixa da dramaturgia ganhe vida teatral expansiva e vibrante. Cria-se, enfim, uma estrutura cênica que abre espaço para uma abordagem social e histórica do trauma privado.
Mas, com o tempo, a trama da peça se desenvolve em torno da necessidade de ajudar aquela vítima a se levantar e seguir adiante.
Apesar da sátira e da paródia frequente às frases de efeito, à publicidade estilo “keep walking”, à retórica de autoajuda ou às formas místicas de terapia, vai ganhando espaço no espetáculo uma forma própria de estética edificante.
O palco é tomado por efeitos espetaculares de luz, por ênfase na força emotiva da música pop, na lírica de superação etc. A paródia e os caminhos percorridos pela peça se tornam estranhamente semelhantes.
Até o fato tenebroso do estupro vai se tornando algo distante e evanescente. A loucura do mundo sai de cena e dá espaço à admiração ingênua pelo brilho da noite. A sensação é estranha. Um misto de bálsamo curativo e harmonia com a barbárie.
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