Filme 'Atravessa a Vida' usa sutilezas para humanizar adolescentes
É impossível não se emocionar com o documentário sobre estudantes no interior do Sergipe retratados por João Jardim
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O cenário principal de “Atravessa a Vida” é uma escola em transformação. No documentário de João Jardim, que integra a seleção do festival É Tudo Verdade, furadeiras competem em volume com a voz dos professores, andaimes impedem a livre circulação e paredes aparecem sendo constantemente remodeladas.
A analogia dessa metamorfose no espaço com aquela que se dá também em todos os jovens retratados no filme é inevitável. Assim como o Centro de Excelência Doutor Milton Dortas, em Sergipe, seus alunos do terceiro ano também estão em processo de assumir um novo invólucro e deixar o antigo para trás.
Embora a sinopse de “Atravessa a Vida” prometa o foco na preparação desses estudantes para o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, este não chega a ser o fio condutor da história —e que sorte a do público que as coisas se deem desse modo.
Com as escolhas assertivas da direção, o documentário ganha brilho justamente pelo olhar mais abrangente sobre personagens que se revelam ricos não só por suas histórias de vida, mas por estarem, como a escola, em transição.
Prestes a ser jogados no moedor da vida adulta, meninas e meninos encaram a câmera quase sempre tímidos, mas invariavelmente corajosos. Contam detalhes de infâncias duras e do momento que vivem, falam sobretudo de expectativas e medos.
Ajeitam o cabelo com gestos que remetem a um corpo infantil que não há muito ficou no passado. Uma garota de uniforme lê no ônibus, e suas longas unhas coloridas são de uma mulher adulta —ao descer do veículo, ela caminha rápido, assustada feito criança da chuva que se aproxima.
“Atravessa a Vida” é feito assim de sutilezas. Nem precisaria de obviedades como a canção “Como Nossos Pais”, da Legião Urbana, que uma professora oferece na aula. Já está claro nos detalhes que todo adolescente que se preze vive desentendimentos com a família.
O documentário tem, ainda, a sorte da generosidade dos alunos. Impossível não se emocionar com a jovem que revela ter passado por uma fase em que se automutilava, ou com o menino que remonta a vida de muita luta da mãe, e o quanto se sentiria impotente se ela dissesse, depois de tantos anos, que não conseguiu ser feliz.
Mães sozinhas, aliás, são a maioria. E, junto com os pais ausentes, grande parte dos adolescentes também está marcada pela pressão para escolher esta ou aquela profissão, às vezes diferente daquela com que sonham.
Simão Dias, a cidade onde se passa o documentário, fica no interior de Sergipe, e tem 40 mil habitantes. Enquanto debatem as notas de corte para cada curso, alunas conjecturam também sobre a distância entre suas casas e os lugares para onde teriam de ir, ao passar no vestibular.
Esta não é a primeira vez que João Jardim, de “Janela da Alma”, escolhe o universo da educação. É dele também “Pro Dia Nascer Feliz”, de 2005, em que contrapõe as realidades de uma escola no sertão nordestino e um colégio particular de luxo em São Paulo.
É um nicho familiar, que Jardim domina com segurança. Faz, com “Atravessa a Alma”, um filme essencialmente para pais e mães porque humaniza os adolescentes. São lindos, os jovens de Jardim.
Jovens que muitas vezes são vistos sem a empatia pela lembrança de que essa fase da vida é difícil para todos. E que servem, aqui, para nos mostrar que, sim, adolescente também é gente. E gente, disse o poeta, é para brilhar, não para morrer de fome.
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