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Em 1968, um mochileiro canadense encontrou por acaso os Beatles em um retiro espiritual na Índia.
Paul Saltzman tinha 23 anos e viajava pelo país quando soube que sua namorada em Montreal havia decidido acabar o relacionamento. Para tentar "curar o coração partido", segundo ele, decidiu pegar um trem, um barco e um táxi até chegar ao ashram do guru Maharishi Mahesh Yogi, na cidade de Rishikesh.
A era hippie vivia seu auge e Yogi havia ficado conhecido depois de viajar o mundo para divulgar a meditação transcendental.
Chegando lá, o jovem descobriu que o local estava fechado pelas próximas semanas porque os Beatles passavam uma temporada lá.
Depois de horas de insistência, contudo, ele conseguiu convencer o funcionário do ashram a o deixar entrar.
Saltzman foi direto a uma sessão de uma hora de meditação e saiu se sentindo melhor. "A aflição pelo término tinha desaparecido. Saí caminhando pelo bosque pra conhecer o lugar", disse ele por telefone.
John Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr e George Harrison usavam a vestimenta tradicional indiana e estavam sentados em torno de uma longa mesa perto de uma falésia. Algumas pessoas e namoradas estavam junto, assim como a atriz Mia Farrow, o cantor Mike Love, dos Beach Boys, e o músico Donovan.
Eles estavam no meio de um retiro que duraria três meses.
Saltzman perguntou se podia se juntar ao grupo —e McCartney puxou uma cadeira para ele.
"Eu sentei e gritei internamente: 'Os Beatles!'", diz o diretor, hoje com 78 anos.
Quatro anos antes, em 1964, ele e outros 18 mil fãs assistiram a um show do quarteto de Liverpool em Toronto. Agora, por obra do acaso, ele estava em frente à banda mais famosa do mundo.
Na época, os Beatles colhiam os frutos do álbum icônico "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", lançado em 1967, e começavam a escrever as canções do próximo trabalho, que seria batizado de "White Album" —o único álbum duplo da banda, que dividiu a opinião dos críticos.
Segundo Saltzman, foi Lennon que quebrou o gelo logo depois de ele se sentar.
"Você é americano?", perguntou Lennon.
"Não, sou canadense."
"Ah, ele é de uma das colônias", brincou o artista.
A mesa caiu na gargalhada.
"Então você ainda cultua Sua Alteza Real?", Lennon continuou.
Saltzman disse que, pessoalmente, não.
McCartney e Starr entraram na conversa.
"Bom, vocês ainda têm a rainha impressa no dinheiro... "
"Nós a colocamos no nosso dinheiro, mas ela vive com vocês!", respondeu.
O mochileiro conviveu por pouco mais de uma semana com os Beatles no retiro remoto às margens do Ganges. Eles meditaram juntos, cantaram, comeram pratos vegetarianos e conversaram.
Mais de 50 anos depois do encontro, Saltzman transformou a história em um documentário de 79 minutos, "Meeting The Beatles in India" ("Encontrando os Beatles na Índia", em português). Narrado pelo ator Morgan Freeman e produzido por David Lynch, o filme traz imagens raras da banda feitas por Saltzman.
São lembranças dos músicos em seu auge, relaxados e descontraídos.
"Foi um encontro mágico. Eu amava a música deles. E não estava obcecado com a figura deles como celebridades da música. Eles também se comportaram de forma bem normal, sem estrelismo."
Ele fotografou a banda com uma câmera Pentax barata em três ocasiões —30 das 54 imagens que fez no ashram tinham os Beatles.
Saltzman voltou para casa e deixou os slides esquecidos em uma caixa de papelão por 32 anos, até que a filha o estimulou a fazer alguma coisa com eles. Foi quando, em 2005, ele lançou um livro em edição limitada com algumas das imagens.
No retiro, o baterista Ringo Starr o havia presenteado com sua câmera 16 milímetros, que guardava cerca de 30 metros de filme, para que ele gravasse a banda, guardasse de recordação e talvez "ganhasse algum trocado".
Mas os três minutos que ele filmou e levou consigo de volta para casa foram perdidos e nunca mais encontrados.
"Nunca pensei que faria alguma coisa com as fotos e a filmagem. Tentei chamar atenção dos Beatles para um projeto por 12 anos, mas eles nunca responderam e eu desisti."
Saltzman conta que a banda escreveu entre 30 e 48 músicas enquanto estava no retiro indiano, muitas das quais incluídas no "White Album": "Back in the USSR", "Happiness Is a Warm Gun", "Dear Prudence", "Ob-La-Di, Ob-La-Da", "Sexy Sadie", "Helter Skelter" e "Revolution", entre outras.
"Ob-La-Di, Ob-La-Da" nasceu nos degraus da entrada de uma das cabanas em que a comitiva da banda viveu nesse período.
Saltzman encontrou Lennon e McCartney sentados em frente à casa dedilhando a melodia no violão.
Ele correu para pegar sua câmera e tirou fotos dos dois com um Ringo pensativo ao lado.
O diretor se recorda de os ver cantando os primeiros versos da música "várias vezes seguidas, rápido, devagar, se divertindo com o processo". "Esse é o riff", disse McCartney, "mas não temos letra ainda".
Os Beatles ficaram na Índia por semanas (fora Ringo Starr, que foi embora antes). Hoje abandonado, o ashram ainda atrai fãs da banda.
A experiência, diz Saltzman, mudou sua vida. No filme, ele recria alguns dos momentos com ilustrações, fotografias, imagens do local e entrevistas. O lançamento aconteceu na última semana —ainda não há data para estreia no Brasil.
"Lennon era o mais engraçado, com um humor irônico. Starr parecia calmo e centrado. George era o mais calado e o mais disponível para conversas mais sérias. E Paul era o mais simpático e divertido entre os membros da banda."
"Estive com eles por apenas oito dias. Mas tudo foi mágico."
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