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'Klara e o Sol' é indefensável para um ganhador do Nobel

Romance de Kazuo Ishiguro desperdiça premissa riquíssima e chapinha com gosto nos chavões da ficção científica

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Klara e o Sol

Avaliação: Ruim
  • Preço: R$ 59,90 (336 págs.)
  • Autor: Kazuo Ishiguro
  • Editora: Companhia das Letras
  • Tradução: Ana Guadalupe

Parecia promissor. Um romance de Kazuo Ishiguro, Nobel de literatura de 2017, em que a narradora, a Klara do título, é uma robô —ou uma AA, uma Amiga Artificial destinada às crianças.

Klara é a AA de Josie, uma garota que sofre de uma doença grave. Enquanto Klara tem esperança de que a menina melhore, a família de Josie lida com a possibilidade de que ela venha a morrer.

A técnica de Ishiguro se baseia em grande medida na excelente calibragem do que revela e do que oculta; disso depende a experiência de leitura. Não é diferente em “Klara e o Sol”, em que detalhes sutis dão conta de um pano de fundo bem mais sinistro (mas não original) do que podemos apreender de saída. Só formamos uma imagem mais completa e mais nítida, em boa parte por dedução, aos poucos.

No ótimo “Não Me Abandone Jamais”, o romance de Ishiguro do qual “Klara e o Sol” mais se aproxima, intuímos que há algo de estranho com as crianças do internato Hailsham. Só mais tarde fica claro que elas são clones —a partir daí, os muitos dilemas éticos decorrentes dessa revelação ganham espaço.

Agora, no entanto, o livro não se sustenta. A premissa, riquíssima, é desperdiçada. Ainda que o autor seja reconhecido pela capacidade de insinuar, encobrir e postergar, o que se tem é uma miríade de possibilidades simplesmente inexploradas. Questões importantes nem sequer são sugeridas.

Diferente de “O Gigante Enterrado”, romance em que Ishiguro emula uma espécie de conto de fadas para abordar temas complexos, “Klara e o Sol” já não funciona quando lido na chave da alegoria —ainda que alguns elementos, como um mundo visto pelas lentes algo ingênuas e simplificadoras da narradora, pareçam reivindicar justamente isso.

Um narrador peculiar sempre pode entregar um ponto de vista interessante. Nao é o caso aqui. Tudo parece raso. Klara —que dá um valor enorme à luz solar, da qual depende a sua, digamos, nutrição— está convicta de que alguns humanos deixaram o Sol “muito bravo devido à Poluição e à falta de consideração”. Essa chave ao mesmo tempo clichê e tatibitati é o próprio núcleo do livro, uma vez que é o núcleo da crença que move Klara.

Porque, se não há nada de novo sob o sol, Ishiguro pelo menos se certificou de chapinhar com gosto nos chavões do gênero. A discussão sobre os limites entre o humano e o não humano é meramente sugerida, e com a complexidade que teria se estivesse num desenho animado. Dos robôs que roubam postos de trabalho e passam a ser vistos com desconfiança a diálogos constrangedores sobre aquilo que nos torna humanos e “faz com que cada um de nós seja especial, único”, está tudo ali.

Ruim para um autor estreante, indefensável para um Nobel. Tem tudo para virar um filme pavoroso muito em breve.

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