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Joyce Carol Oates triunfa ao narrar destruição de laços familiares

Embora seja límpido demais, 'Minha Vida de Rata' se insere na linhagem de livros formidáveis sobre segredos sujos de família

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Minha Vida de Rata

Avaliação: Ótimo
  • Preço: R$ 54,90 (320 págs.), R$ 39,90 ebook
  • Autoria: Joyce Carol Oates
  • Editora: HarperCollins
  • Tradução: Luisa Geisler

No universo romanesco, os segredos sujos de família já renderam livros formidáveis, em parte porque permitem habitar um intrincado microcosmo, com suas leis e expectativas, hipocrisias e pontos cegos, e em parte porque articulam o que há de sombrio e confuso nos laços familiares e o crime como algo socialmente demarcado.

"Minha Vida de Rata", de Joyce Carol Oates, se insere nessa linhagem por meio de uma longa narrativa na voz de Violet Rue Kerrigan, expulsa de casa na fictícia South Niagara aos 12 anos.

O romance se concentra no ambiente de uma família da classe média americana que tem como figura catalisadora Jerome Kerrigan, o pai onipotente, belo e temperamental. A mãe de Violet, Lula, criou sete filhos, nem todos desejados, e foi deixando de ser uma mulher atraente aos olhos do marido.

A escritora Joyce Carol Oates - HarperCollins/Bloomberg News/Folhapress

O amor nessa família é distribuído de forma estranha e teatralizada. Pelos olhos de Violet, o romance destrincha esse mundo de falsa moral, ressentimentos e abusos que a continuam a atormentar.

A matéria de Oates é a densidade da memória dessa mulher solitária que, ao narrar de forma implacável a sua história, não evita passar pelos mais desagradáveis meandros. Esta talvez seja a maior virtude do livro.

Oates consegue manter o desconforto durante todo o relato, fazendo do romance uma espessura de ambiguidades nauseantes que vão explicitando os mais sofisticados, e nem sempre visíveis, aspectos das relações violentas.

Em Oates, a denúncia e suas consequências, assuntos tão atuais, são abordados em sua complexidade, considerando efeitos de longa duração. Acerta ao retratar a vida bruscamente alterada pela denúncia de um crime racial, perpetrado pelos irmãos da narradora, Jerome e Lionel. Violet passa a ser vista como traidora, e na passagem da infância à adolescência, é abandonada a uma sorte cruel.

É nesse lugar de degredada da família que ela rumina e sustenta a narrativa. A descrição apurada das cenas de infância fazem compreender que aquelas pessoas repulsivas eram já os membros da família aparentemente convencional e amorosa que acreditava ser sua.

A memória vai sendo trabalhada pela raiva, pelo rancor e pela dúvida. Surgem perguntas que implicam cruelmente a subjetividade da narradora. Interpela o suposto amor incondicional que ligaria pais e filhos e reflete sobre como os laços familiares se desfazem de repente –"as emoções mais tenras podem mudar em um instante".

"Você acha que seus pais te amam, mas será que amam você ou a criança que é deles?" Os grifos são da autora, que prossegue descrevendo um acidente doméstico. "Como se inclinar perto demais da boca do fogão, que nem (tal como) eu tinha feito quando criança e, num instante, meu pijama inflamável irrompeu em chamas —você não consegue acreditar tão rápido."

Por não conseguir acreditar ou entender tão rápido a destruição dos laços de família é que Violet precisa contar sua história, dar a ela o tempo e a forma de um romance. Talvez Oates cometa um erro ao conduzir o leitor de forma eficiente e límpida demais. A voz narrativa aprumada contrasta com a pessoa destruída.

Ainda que a ideia fosse evitar o excesso dramático ou a barganha emocional, sentimos falta de sentir na performance dessa voz o peso de ser rata. Apesar disso, acompanhamos a vida de Violet com interesse e horror, magnetizados pelas entranhas da família americana e pelos avassaladores estragos, internos e externos, que é capaz de produzir.

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