'Klondike - A Guerra na Ucrânia' é belo, duro e dedicado às mulheres
Filme retorna ao primórdio do conflito, quando o país foi atacado pela Rússia, em drama do ponto de vista de família
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
"Klondike - Guerra na Ucrânia" padece de um subtítulo um tanto sensacionalista, mas nem por isso falso. É uma situação de guerra, e na Ucrânia. Mas não a guerra que está acontecendo agora, e sim seus primórdios, mais ou menos na época em que a Rússia anexou parte da Ucrânia.
Se a guerra sempre foi um território fértil para a mentira, a diretora Maryna Er Gorbach o evita com o cuidado de quem evita minas enterradas no solo. Situa sua ação, de início, numa plácida fazenda onde Irka, grávida, e seu marido Tolik esperam para qualquer momento a chegada do filho. Vivem em uma casa simpática numa fazendola, cercada por uma vasta paisagem vazia e uma estrada ao fundo.
Existe algo de inquietante nisso, em toda essa calma, em todo esse silêncio. E, de fato, não demora muito e vem o choque —uma bomba explode e arrebenta boa parte da casa onde moram. Tolik sai atrás do carro, sequestrado por um amigo não se sabe bem por quê. Mais tarde o amigo dirá que devolve o carro amanhã.
Eis um dado encantador desse filme —nós estamos mais ou menos na mesma situação em que se encontram os personagens durante boa parte da ação. Não sabemos muito bem o que se passa, nem eles.
De repente, um ruído forte e, ao fundo, uma fumaça —o que será aquilo? Um avião foi abatido, com turistas salvo erro tailandeses. O que têm tailandeses a ver com a história? E, sobretudo, quem abateu o avião, ucranianos ou separatistas?
Sim, porque estamos para os lados da conflituosa região de Donetsk, onde a maioria dos habitantes se expressa em língua russa e se acredita perseguida pelos nacionalistas ucranianos. Em resumo, estamos ali onde começa a guerra atual.
Mas alguma guerra já existe. Um bando armado invade a fazendola para se refestelar com o boi que Tolik deve matar para alimentar todos. É isso ou ser saqueado e eventualmente morto. O que não impedirá que outras bombas destruam partes da casa. O quadro idílico do início —fazendola, casa arrumada, perspectiva de parto se desmonta.
Ou antes, o parto está cada vez mais próximo. Que fazer? O irmão de Irka, Yoryk, aparece para tornar a situação ainda pior. É um antisseparatista fanático e acusa Tolik de pró-russo, o que é uma meia-verdade. Tolik quer sobreviver junto com Irka e o filho por vir. Antes de tudo, ainda que seja pró-russo, isso não parece uma opção, apenas uma conveniência. De todo modo, existe um novo conflito aí, que fecha de maneira trágica o triângulo marido-mulher-irmão —duas famílias
Assim segue Er Gorbach, explorando esse espaço que parece plácido a princípio, mas só parece, pois a cada movimento de um carro que passa sentimos o perigo vindo junto. Ele se conjuga aos problemas que surgem a cada instante e que a cada passo ameaçam. Então o tempo intervém, pois, à medida que passa, nos familiarizamos sempre mais com o clima de discórdia armada —aquilo começa a parecer um cotidiano como qualquer outro, ou quase.
Nisso tudo quem tem razão? Do ponto de vista de Er Gorbach, a guerra, a discórdia, a agressividade parecem, antes de tudo, aspectos do mal-estar na cultura humana. Aquele de que Freud falava, talvez, que nenhum comunismo erradicaria.
Pode ser. Mas Maryna Er Gorbach, se evita tomar partido entre o lado dos russos e o dos ucranianos, vê nesse mal-estar algo não da humanidade, mas do homem —masculino. Não por acaso esse belo e duro filme é dedicado às mulheres.
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters