Morte de Pablo Neruda é tema de mostra de fotos de Evandro Teixeira no IMS
Exposição em São Paulo resgata imagens pouco vistas do enterro do poeta chileno e retrata a vida sob Pinochet
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Horas antes de Pablo Neruda morrer, alguns dias depois do golpe militar instaurar a ditadura no Chile, o fotógrafo Evando Teixeira descobriu a informação bem guardada de onde o poeta estava internado. Teixeira tentou entrar no hospital uma vez, mas foi impedido. Ao ligar para ter o boletim médico, ficou sabendo que o escritor havia morrido.
No dia seguinte, de manhã bem cedo, o fotógrafo, que estava em Santiago a serviço do Jornal do Brasil para cobrir o início de uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina, foi novamente à clínica e circulou nos seus arredores até encontrar uma porta lateral pela qual entrou secretamente. Ele levava uma câmera Leica escondida no casaco e filmes preto e branco no bolso.
Sua primeira foto daquele momento mostra, à distância, a viúva de Neruda, Matilde Urrutia, de costas para a câmera mas de frente para o corpo do marido, estirado em uma maca, coberto por um pano branco. "Meu filho, sua presença aqui é muito importante, fique conosco", disse ela para Teixeira na manhã de setembro de 1973, segundo o fotógrafo.
Ele foi o único fotojornalista a registrar o imediato pós-morte e o velório do poeta em sua casa, antes do corpo sair em procissão pelas ruas de Santiago e ser enterrado, numa cerimônia com milhares de pessoas que se tornou uma das primeiras grandes manifestações contra a ditadura chilena.
O conjunto de fotografias pouco vistas daquelas 36 horas marcantes na carreira de Teixeira é mostrado a partir desta terça-feira numa exposição no Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Além das imagens de Neruda, "Evandro Teixeira, Chile 1973" dá ênfase aos dez dias que o fotógrafo passou no país cobrindo os primeiros momentos de Augusto Pinochet no poder, e compara esses registros com uma série de imagens do regime militar no Brasil dos anos anteriores. São cerca de 160 fotos, ao todo.
No Chile, a ditadura permitiu a entrada da imprensa estrangeira e encenou situações com a intenção de sair bem nas fotos que apareceriam nos jornais. Um destes episódios foi a reunião de centenas de presos políticos nas arquibancadas do Estádio Nacional —quem vê as imagens tem a impressão de que o tratamento dado aos detidos era digno. Mas não era bem assim, de acordo com o fotógrafo.
Teixeira, que já conhecia o estádio de quando havia coberto ali a Copa do Mundo de 1962, sabia da existência de porões subterrâneos. Ele escapou do roteiro previsto pelos militares e conseguiu fazer imagens de grupos de homens espremidos atrás das grades, à espera da morte. As fotos foram publicadas dias depois na capa do Jornal do Brasil.
"Era um seja o que Deus quiser. Eu sempre fazia uma meia dúzia de fotogramas e caía fora, não ficava lá provocando eles [os militares]. Pernas para que te quero", diz o fotojornalista, ao ser questionado se sentiu medo ao fazer uma cobertura tão arriscada. "Voltei do Chile gratificado por eles terem me deixado vivo pelo que eu fiz."
A exposição traz também uma série de registros mais prosaicos, por assim dizer, da vida em Santiago sob a ditadura. Freiras conversando com um oficial de metralhadora, uma fila extensa de pessoas tentando pegar o ônibus antes do toque de recolher, jipes passeando pelas ruas com soldados armados na carroceria. Embora o estado fosse de exceção, há uma aparência de normalidade tensa nas imagens.
Os soldados responsáveis por manter a ordem "eram garotos comandados que não sabiam o que estavam fazendo ali, uma juventude", conta Teixeira. Isto não impediu que muita gente fosse morta, lembra ele, classificando como imperdoável a matança comandada por Pinochet.
Um terceiro núcleo da mostra apresenta algumas imagens de Teixeira que entraram para o imaginário dos anos de chumbo no Brasil —uma cena noturna da tomada do Forte de Copacabana pelos militares, um estudante em queda ao ser caçado por policiais numa manifestação no Rio de Janeiro, o tombo de motocicleta de um batedor da Força Aérea e um registro da Passeata dos Cem Mil na Cinelândia.
Fotografar as ditaduras no Brasil e no Chile era a mesma coisa, diz o fotógrafo, usando em seguida um xingamento impublicável para se referir aos militares daqui e de lá. Apesar das diversas situações de porradaria com as quais se deparou, Teixeira, aos 87 anos, se considera realizado. "Foi muito sofrimento, muita vontade de fazer esse trabalho. É muito importante alguém contar a história, mostrar a realidade de cada país."
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