Siga a folha

Saiba como são os projetos inéditos de Paulo Bruscky, que mistura vida e arte

Artista pernambucano tem mostra de novas instalações e outra de tom político feita a partir de seu acervo de arte postal

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

Em vez de vagas para os carros dos visitantes, um pedaço de madeira com cabrestos nos quais podem ser amarrados burros e cavalos. Assim Paulo Bruscky transformou desde o último sábado o estacionamento da galeria Nara Roesler, numa das regiões mais ricas de São Paulo, em garagem para quadrúpedes.

Inédita, a instalação "Estacione Seu Burro Aqui", imaginada pelo artista nos anos 1970, ganha forma pela primeira vez agora numa exposição concebida a partir das anotações de Bruscky em cadernos variados. "Toda a minha vida está aqui. Às vezes eu anoto uma frase e já sei o que é", ele diz, mostrando três de seus bancos de ideias, como chama seus livros de rascunhos e colagens que mantém há mais de 50 anos.

Interferência na obra de Rafael Canogar, fotografia de 1971 de Paulo Bruscky em exposição no Instituto de Arte Contemporânea, em São Paulo - Flavio Freire

Várias obras que antes só existiam na imaginação do artista —nome central na arte brasileira com seu trabalho multimídia, carregado de crítica social e ironia—, estão agora materializadas nessa mostra só de instalações em sua galeria paulistana. Outro desses trabalhos é um tonel de lixo aberto com um espelho no fundo, no qual o visitante se vê refletido caso vá espionar o conteúdo da lata.

No meio da galeria, um amontoado de pedras, tijolos e uma pá simulam um ambiente de construção, atravancando a circulação. "É para atrapalhar mesmo", diz Bruscky, sobre "Trecho em Obras". Misturar arte e cotidiano é um dos aspectos centrais na poética do artista, assim como se vê em outro trabalho, "Amsterdã Erótica", uma série de fotografias e o vídeo de uma performance nos quais ele simula que os pilares das ruas da cidade holandesa são pênis.

"As pessoas têm que ver a arte nas coisas. Vida e arte são a mesma coisa. É 'vidarte', uma palavra só. Elas estão juntas e vivem juntas. A arte cabe em qualquer lugar, qualquer canto, na rua, na vitrine", ele afirma, acrescentando que o público deveria perder o medo de entrar em galerias de arte sendo que entra em shoppings e restaurantes.

Se irreverência é a palavra de ordem na mostra da galeria, não se pode dizer o mesmo de outra exposição de Bruscky que começa neste sábado, no Instituto de Arte Contemporânea, o IAC, também em São Paulo. Nessa mostra carregada de crítica política estão reunidos dezenas de documentos e obras dele e de outros artistas com quem ele se correspondia num movimento que ficou conhecido como arte postal.

Durante o período das ditaduras na América Latina e dos regimes repressivos nos países do leste da Europa —as regiões em evidência na exposição—, Bruscky trocava por correio cartas, cartões postais, pôsteres, desenhos e fotocópias com outros artistas que, assim como ele, viviam sob governos que vigiavam a liberdade de expressão. Até fitas cassete com poemas sonoros eram enviadas, segundo o artista, hoje com 74 anos.

Usar o serviço de correio era uma forma das obras escaparem à censura, diz Jacopo Crivelli Visconti, o organizador das duas exposições, porque era praticamente impossível para os governos controlarem milhares de correspondências e porque o conteúdo dos envelopes muitas vezes não era entendido como arte. Boa parte dos trabalhos abordam a mão de ferro do Estado sob a qual os artistas viviam.

"Mais do que o suporte [das obras], é a ideia de uma circulação que é central na arte postal", afirma Crivelli Visconti. "As obras de arte postal nunca eram concebidas como obras fechadas, assépticas, que você faz e aquilo acabou e é para pôr numa moldura e num cubo branco. Muito pelo contrário. Muitas vezes as obras eram concebidas para serem colaborativas, continuadas por quem as recebesse."

Nas poucas vezes em que essas obras vieram à tona em espaços institucionais, elas obviamente não foram bem recebidas pelos agentes da ditadura brasileira. Em 1976, Bruscky organizou uma exposição internacional de arte postal no próprio prédio dos Correios no Recife, onde ainda vive. No dia da abertura, censores baixaram no lugar e exigiram que o artista removesse alguns trabalhos. Ele se negou e foi preso pelos agentes.

Fotografia de 1982 da série 'Amsterdã Erótica', de Paulo Bruscky - Divulgação galeria Nara Roesler

Todo o material da exposição do IAC vem do acervo de Bruscky, composto por cerca de 70 mil itens entre obras, documentos e correspondências abrangendo as principais vanguardas do século 20, como pop art, poesia experimental e os grupos Gutai e Fluxus. Esse inventário ocupa o ateliê do artista no Recife de cima a baixo —no passado, seu ambiente de trabalho foi trazido para a capital paulista e exposto numa Bienal de São Paulo.

Um dos destaques da exposição no IAC é uma carta do artista Juan Carlos Romero a Bruscky, mostrada junto a páginas de um livro do argentino onde se lê a palavra violência em grandes letras de forma. Vale mencionar também uma série de folhetos e colagens do chileno Clemente Padín, exibidas ao lado do envelope original —que é uma obra de arte em si— carimbado com os dizeres "mail art".

Afora as duas exposições, Bruscky é agora tema de um documentário do cineasta Eryk Rocha, que vem acompanhando seu processo de criação há alguns meses. A partir do ano que vem, o filme deve começar a circular nos festivais. "O Paulo está nessa 'desfronteira' entre a vida e a arte. Essa 'desfronteira' é um dos temas do filme", diz Rocha.

Paulo Bruscky - Banco de Ideias

Avaliação:
  • Quando: Até 29 de julho; seg. à sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 15h
  • Onde: Galeria Nara Roesler - av. Europa, 655, São Paulo
  • Preço: Grátis

Paulo Bruscky – Atitude Política

Avaliação:
  • Quando: De 3 de junho a 5 de agosto; ter. à sex., das 11h às 17h; sáb., das 11h às 16h
  • Onde: Instituto de Arte Contemporânea - av. dr. Arnaldo, 120/126, São Paulo
  • Preço: Grátis

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas